Quando eu tinha sete anos, tive o primeiro vislumbre do que é estar errado. Eu achava que era o aluno mais inteligente da sala. Coisas da infância, erro de proporção. O certo seria achar que era só o aluno mais inteligente da escola, que ainda era um erro, mas justificável pela minha ignorância de que a estupidez dos meus colegas não era acidente, mas uma regra cósmica invariável e repetível do berçário ao fim do ensino médio. O que ainda seria um erro, de proporção, mas ainda justificável como o primeiro.
Isso se deu no momento em que meus colegas sofriam para fazer adições com feijão e eu desenvolvia a equação da relação celenosial da assimetria das voltas do rabinho de porco congelado para uso na feijoada. Qualquer retardado de QI 170 sabe que essa é a mesma relação do gatilho reductibiliano da força H, que permite a fusão nuclear a frio usando um motor de geladeira Consul Elegant e duas bobinas de Fiat 147, ano 1979, cor creme. O segredo é aplicar a relação do rabinho de porco -congelado- às molas de indução das bobinas para gerar um princípio de reação porco-indutivo tipo onda.
Infelizmente a professora não gostou que eu levasse um rabinho de porco para a escola. Todo gênio é incompreendido. Na diretoria me disseram que tinha que respeitar as aulas da tia Eliza, que eu repliquei que não era minha tia, que na verdade se chamava Helena, que talvez uma prima de décima geração... Logo descobri meu erro do começo, pois era claro que minha inteligência superava não só a dos outros alunos, como também de professores, diretores, inspetores de alunos, cantineiras e secretárias.
Depois disso, voltei muitas vezes à diretoria e às diretorias. Felizmente percebi que não valia a pena discutir, isso foi logo após invadir o sistema de uma funerária e mudar o endereço de entrega para o endereço da escola, na sala de anatomia. Por alguma razão, não foi permitida a entrada do caixão. Suspeito que seja porque retirei do pedido as velas e a imagem da Bíblia falando de ressurreição e vida. Por óbvio que sou ateu, mas achei melhor não postular a possibilidade de que meu objeto de estudo saísse andando pela sala. Fui descoberto quando perguntaram quem estava se passando por Frei Guilherme de OCÃO, o responsável pelo pedido. Tive que corrigir, é Guilherme de Ockham!!!!
Apesar de sempre me formar com as melhores notas, fui expulso 27 vezes de escolas diversas, e 3 vezes de universidades.
Quando meu pai viu que o sistema não ia me aceitar, mandou que eu fosse trabalhar. Ele me arrumou um estágio numa empresa especializada em exportação de um amigo seu. Minha função era anotar números de localização de contêineres numa ficha padrão. Logo deduzi a ordem em que os códigos eram criados e preenchi as fichas antecipadamente, para que pudesse usar o tempo livre para unificar a física, organizar a economia mundial e produzir um épico em dodecassilabos iambicos sobre os grandes heróis da ciência.
A coisa deu errado porque eu não sabia que existia uma numeração especial para países asiáticos, o que levou à entrega de um contêiner com livros dos discursos de Donald Trump no Irã e fuzis de assalto num convento italiano.
Depois disso, percebi que precisava apenas de tempo livre para minha revolução. A humanidade haveria de reconhecer meu gênio, tão logo meus sucessos fossem conhecidos. Inicialmente tentei dar aulas para crianças, mas elas e seus pais eram muito estúpidos.
Finalmente, um dia, passando por uma praça, observei algumas pessoas que viviam nas ruas. Eles podiam dormir quanto tempo pudessem, recebiam esmolas que permitiam a ingestão mínima das calorias recomendadas e não tinham que dar conta do seu pensamento a ninguém.
Converti meus pertences em dinheiro e me transferi para a capital, a fim de organizar meu plano e ficar longe da minha família.
Tão logo me estabeleci numa praça, comecei a aplicar meu gênio na arte de manipular as emoções humanas para conseguir melhores esmolas. Quanto menos tempo eu gastasse nisso, mais tempo teria para meus projetos grandiosos. O que eu não contava é que os outros mendigos não gostavam de concorrência e eram, como todos os outros seres humanos, estúpidos.
Eles decidiram dar cabo de mim. E teriam conseguido, não fossem dois policiais. Mas é óbvio que isso não me agradou, pois vi na agressão a possibilidade de ser hospitalizado e ter bastante tempo livre para os meus planos.
O fato é que esses dois policiais estúpidos me identificaram através de uma foto que minha família publicara num site para pessoas desaparecidas.
Uma vez em casa, meus pais tentaram me internar num hospital psiquiátrico. Mas é claro que os testes mostraram apenas que eu era uma pessoa de gênio superior. Um diagnóstico feito com alguma imprecisão, notei, devido à imperícia do psiquiatra em aplicar as doutrinas psicológicas correntes, o que tive prazer em atualizá-lo.
Organizaram uma junta para avaliar o meu caso. Dei uma aula, como sempre, passei por cima deles como um trator. Por fim, desanimados, disseram aos meus pais que eu tinha um problema, era um megalomaníaco.
Por uns momentos não soube o que responder. "Megalomaníaco"? Eu? Um gênio, sem dúvida. A partícula grega "mega" bem me servia, e pouco me importava que seres inferiores me considerassem maníaco. Mas aquele artigo indefinido me era indigno, como assim "um" megalomaníaco???
Lancei-lhes na cara que eu bem aceitava o título, mas que não iria tolerar tal afronta!
Todos olharam para mim com seus olhares bovinos.
Arrematei, "eu não sou um megalomaníaco, sou o maior megalomaníaco do mundo, e se Deus não existe, como não existe, quiçá do universo, do multiverso, de todas as realidades possíveis!
Me internaram. Cá estou. Como deveria. Meu intelecto superior me levou ao melhor dos fins possíveis, apenas dizendo uma verdade que já era, por si, autoevidente.
Agora tenho todo o tempo do mundo, posso apreciar minha genialidade com calma e prazer. Aprendi a lidar com a estupidez de médicos e enfermeiras, basta ignorar-lhes a existência e eles somem. Uma questão que sempre relembro a Einstein, que realmente está aquém do gênio que lhe publicaram. Ele é pouco mais que um Napoleão - sujeito desagradável- talvez equivalente a Newton, mas ambos me aborrecem muito, pois tenho que sempre traduzir minhas conclusões para que eles possam entender, lançando mão de metáforas e simbolismos infantis.
Enfim, me serão instrumentos. Primeiro submeto o Hospital, logo mais a cidade. Não acredito que o planeta resista mais que um mês. Depois veremos os outros.
Deve ser quase hora do almoço. Hoje é dia de frango? Quantas borboletas equivalem ao Zepelim? Hoje deve ter mingau de chocolate de sobremesa. Mingau...