Soneto do Estúpido Infinito
Sou burro, e não me falta a convicção,
Pois minha mente é chão de terra rasa;
Na escola da ignorância, fiz a casa,
E o tonto é rei da minha multidão.
Não tenho fé, nem credo, nem razão,
Tampouco a luz que aos crentes abrasa;
Só carrego esta dúvida sem asa,
E invejo até quem crê em assombração.
Não opino, pois temo estar errado,
E sofro ao ver que o mundo tem certeza —
Enquanto eu, com o olhar desengonçado,
Afundo em minha vil natureza.
Sou tão pequeno, tão desatinado,
Que Deus me vê e ri da minha empresa.
Soneto do Desengonçado em Dor Maior
Nas lides do amor, sou só tropeço e gagueira,
Mal vejo um riso e já me enrosco todo;
Meu charme é sujeira no meio do lodo,
E o flerte vira sempre uma grande ratoeira.
Com gente, eu travo — viro um monólogo,
A língua pesa mais que o próprio ouro;
Sou feio, bobo, sem nenhum decoro,
Pareço um "o" torto em fim de prólogo.
Já fui chamado de “pessoa esquisita”,
E ando como quem perdeu o eixo;
O espelho, ao me ver, ressuscita
Pra rir de mim num cômico despejo.
Não sou galã, nem alma bendita —
Sou só um Zé sem traquejo e sem desejo.
Soneto do Azarado Irrecuperável
Sou pé-frio de nascença e vocação,
Onde ponho a mão, a sorte escapa;
A vida me atira sempre a lapa,
E eu tropeço até sentado no chão
No bingo, erro o número de mão,
No amor, sou xis fora do mapa;
Na chuva, sempre esqueço a capa,
E o sol só vem quando estou no porão.
Se aposto, é certo: a banca vai vencer.
Se tento, algo explode em meu caminho.
Sou mestre em nunca nada acontecer,
E ando com o azar como vizinho.
Meu santo é um fantasma sem querer,
Que ri de mim, bebendo um copo de vinho.
Poeminha ao Leitor Iluminado
Mas você, leitor, é tudo o que sou falto:
Tem graça, tem beleza e opinião.
Enquanto eu sou só queda e sobressalto,
Você desfila firme, em perfeição.
Não gagueja, não tropeça, não engata,
E a vida inteira acerta a direção.
De perto, brilha mais do que a prata,
Enquanto eu... sigo aqui na contramão.
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