Era minha filha. Olhei com os únicos olhos que tinha. Me perdoe, filha, por não conseguir dizer tudo o que podia. A mão pousada consoladora sobre meu ombro tamborilava num ritmo irregular. Esse é o ritmo da vida. Não há nada que você possa fazer. Não tenho medo ou estou especialmente infeliz com meu destino. Essa é a tristeza da vida inteira. Ontem eu acreditei que havia um futuro, não este. Hoje não consigo ver um passado em que me refugiar. Não me preocupa morrer. Eu lamento apenas que a morte não seja tão viva. Se ela fosse uma perspectiva mais clara, muitas vidas seriam diferentes. Não chore. Eu não sou estóico, nem frustrado por ver o fim da estrada. Isso, na verdade, me deixa feliz. Quantos não são surpreendidos pelo fim depois de uma curva, quando ainda sonhavam com um longo caminho? Verdade. Muitos não podem sonhar. Ela tinha olhos melhores que os meus. Seu caminho é longo. Sim, os que se aproximam do fim despertam a profecia adormecida. Lembrei de um chefe que tive. Ele brilhava com a glória do mundo, arrogante, olhava para mim como se eu fosse o que eu realmente era. Lembrei de outros chefes, todos iguais, superiores, infinitos. Deveria ser assim, filha, a vida como oportunidade para o bem. Mas o potencial para o mal é poderoso. Lembrei de dois amigos. O primeiro criticou minha falta de ambição. Dizia que eu tinha feito as escolhas erradas. Acho que tinha razão. Mas morreu cedo. Muito cedo. O segundo era um doce. Não me criticava, pelo contrário. Mas sempre esteve melhor que eu. Morreram com diferença de poucos meses. Os chefes foram além, e substituídos por outros chefes, eram ainda os mesmos chefes. Andei tanto para descobrir o que já sabia. O que os sábios diziam. A vida é breve, travessia. E se há alguém sincero nessa vida, esse alguém é a morte. Ela não diz nada, mas deixa claro que vem. Viver é se preparar para a morte. Para isso serve a sabedoria. Morre-se uma vez, a vida é para todos os dias, logo a morte é o evento mais singular de toda a vida. Lembra, filha, ela vem, vive para mil anos, prepare-se para amanhã. E com seu belo sorriso eu sorri. Fechei os olhos e vi tudo o que o nada era.
Nenhum comentário:
Postar um comentário