sábado, 7 de março de 2015

Papai Noel

Quando éramos crianças nós costumávamos esperar pela chegada de Papai Noel. Mamãe dizia que ele só entrava nas casas se não havia alguém para esperá-lo, seu trabalho exigia que não fosse visto.
De nada adiantavam nossos lamentos, mamãe nos obrigava a ir para a cama antes das dez. Ela dizia que se ele nos visse era bem capaz que não deixasse brinquedo algum. Era um bom argumento.
Ela nos aconchegava com carinho sob os cobertores, e se despedia com um beijo demorado na testa e aquele afago gentil nos cabelos. Mamãe era muito carinhosa.
Então ela ia até a porta do quarto e ficava ali no escuro de braços cruzados esperando pelo ressoar das nossas respirações.
Era sempre assim, mas naquele ano nós tínhamos um plano. Ninguém lamentou ou pediu para ficar acordado mais um pouco. Mamãe encostou-se no batente da porta. Então comecei a respirar mais profundamente e meus irmãos fizeram o mesmo. Ainda ouvi mamãe dizer "tão rápido" antes de sair do quarto.
Chamei meus irmãos perto da meia-noite, mas eles dormiam pesado. Decidi encontrar Papai-Noel sozinho. Sai do quarto e fui devagarinho até onde nossa árvore de Natal estava. Me sentei ao lado do sofá, numa posição com bastante visão da árvore, mas de forma a não ser visto pelo visitante.
Alguns minutos depois ouvi passos e meu coraçãozinho parecia que ia pular do peito. Então vi mamãe carregada de presentes atravessar a sala e depositar os pacotes sob a árvore.
Então era isso, não havia Papai Noel como o primo João me dissera uma vez, mamãe é quem deixava os presentes todo ano.
Depois que mamãe deixou a sala eu saí desolado do meu esconderijo. Me sentei ao lado dos pacotes e vi nossos nomes escritos com a caligrafia caprichada de mamãe, estavam todos ali.
Eu estava muito chateado, minha mãe mentira o tempo todo. Estava decidido a dizer que ela era uma mentirosa e que era errado ensinar a não mentir quando se faz isso o tempo todo.
O cheiro de mamãe ainda estava pela sala, cheiro de algum perfume que eu nunca soube o nome. Aquele odor era tão familiar, e evocava a mesma proteção que sempre sentira com seus abraços e beijos, com seus carinhos e afagos infindáveis!
Lembrei de mamãe à porta, dela nos levando até o portão da escola no primeiro dia de aula e tentando manter um sorriso enquanto um brilho de lágrimas tomava seus olhos.
E percebi que ela não mentira, que papai Noel era um nome que criaram para definir o amor. Ele existia e era minha mãe!
Na manhã seguinte nós estávamos abrindo avidamente nossos presentes sob o olhar cuidadoso de mamãe. Então meu olhar cruzou o de mamãe e ela piscou para mim, foi um momento de profunda intimidade, de compreensão mútua. Naquele momento eu soube. Estava muito claro, ela sabia.
Hoje, quando evoco essas lembranças, eu me sinto como aquele menino que mal descobrira um segredo do mundo e já começara a palmilhar o terreno que separa um menino de um homem!
Mamãe não atravessa mais aquela sala, e eu não me esguelho entre os móveis, mas Papai Noel ainda está lá, ele sempre esteve, sempre estará, mesmo quando eu não for mais que uma lembrança, como esta, na mente dos meus descendentes!

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