quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Por que choras, Raquel?

 Por que choras, Raquel?
-Choro pelos meus filhos.
Mas, Raquel, por que choras por teus filhos se eles mesmos não lamentam?
- O Alto, o Exaltado, troveja desde Raamah com promessas e meus filhos
Jazem na vida em morte todos os dias
Viu-se um sinal no Ocidente, eis seus filhos amontoados em carrinhos sendo levados
À pira ariana, e ao céu elevados em grossas nuvens de cinzas.
Raquel toma seus filhos entre os dedos, o pó que cobre as ruas
Desde Raamah, elevados – um anjo cantou.
Uma daquelas mãos escreveu com a cinza, antes de à cinza tornar:
Se Deus existe, ele terá que implorar pelo meu perdão!
Agora são gado, que faremos do gado? Encheremos vagões, gado não é gente, mas gado queima, gado queimado é bom adubo.
Os filhos de Raquel não choram, não há lágrimas que chorar
Mas sua mãe lamenta, Raquel ouve o barulho do atrito das rodas nos trilhos
E sente o calor dos corpos dos seus filhos, o suor que flui dos espaços nos campos cobertos de neve.
Raquel morreu e foi queimada milhões de vezes, Raquel corre com as gazelas nas montanhas de Israel, Raquel ajoelha-se diante da beleza de Sião
Raquel está feliz no deserto, música e alegria
Mas ao seu redor jazem seus filhos, abatidos como gado, pisados como poeira
Raquel, quem chorará pelos teus filhos, agora que o mundo todo colou neles a máscara dos seus opressores?
Raquel está dura, Raquel canta o canto de guerra, Ishah Milchamah! Allah Akbar!
Os filhos de Raquel estão destruídos nas casas queimadas, suas filhas violadas,
Raquel, seus filhos e suas filhas estão sendo esmagados, seus filhos e filhas morrem de fome,
Seus filhos, esquecidos, sob milhões de toneladas de concreto, seus filhos matam seus filhos
Nas torres de Gaza, e no kibutz Be'eri…
Do ocidente vem um canto de morte, do ocidente supostamente chocado, um canto pelas criancinhas mortas, um canto que pouco se importa pela morte das criancinhas, um canto que as usa como objeto, como os arianos, para fecundar seus campos.
Mas os filhos de Raquel morrem aos montes, e Raquel
Chora com o rosto no solo, pois não há quem possa consolar
Da dor de uma ferida que não pode ser curada
Raquel chora, e não quer ser consolada
Como a mãe que entrega seus filhos, como o pai
Que não os pode salvar, como a gazela triturada pelas mandíbulas de todos os lobos
Os maus e os que se fingem bons.
Raquel chora com a boca no pó
E não há quem a possa consolar.
Ouçam o choro que sobe desde Raamah!
Nossa mãe chora, como Eva pelos seus filhos, o que morre e o que mata e os que sobem com dedos inflamados e palavras de loucura
Aos montes da opinião pública.
Essa mãe tem muitos filhos, muitos filhos ela tem
Muitos morrem, muitos matam, uns vivem mal, outros bem.
Raquel é mãe dos seus filhos, Raquel é mãe de todos nós
E Raquel somos nós.
Chora, Raquel, talvez em algum lugar alguém ouça a tua voz.

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