quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Onde estão os viajantes?

Incrédulo, eu perguntei ao professor se a viagem temporal tinha sido mesmo inventada, como ele dizia, então onde estavam os tais viajantes. O professor parecia cansado, talvez doente. Seu semblante era o de alguém que iria morrer, mas que já se sentia como se tivesse morrido. Ele encheu meu copo com mais um pouco daquele conhaque horroroso e ambos acendemos nossos cigarros. Depois de uma tragada profunda, ele olhou direto nos meus olhos e disse que eles estavam em todo lugar.  Eu ri alto. Ele não se importou com minha impertinência. Mas confesso que foi uma risada nervosa. Quer dizer,  eu não engolia aquela história maluca. Mas sabia que o professor não era maluco, pelo contrário, era um cientista respeitado e foi uma sorte ele ter me aceitado como seu orientando. Em duas ou três frases ele me explicou novamente a teoria toda, acrescentado um dado da equação "cronal" que até então afirmava não ter descoberto. Nossos olhos se encontraram e eu finalmente soube a verdade. O professor tomou mais um gole, longo, tossiu, e continuou: "A viagem foi descoberta. Na verdade foi aqui mesmo,  nessa conversa, que ela nasceu. Sim,  eles estão em toda parte porque fizeram um erro terrível e agora correm de um lado para o outro tentando corrigir o continuum. Mas a cada correção o fluxo se altera e algo improvável acontece". Eu lhe disse que nesse caso era só esquecermos aquilo e nunca inventar a viagem. Ele replicou " você não entendeu, ela já aconteceu. Não estamos olhando o futuro, mas o passado, é nossa mente que nos dá a sensação de continuidade e fluxo normal. Mas a coisa toda já desandou e a cada nova inserção os fatos são alterados e com eles também a nossa memória de como eles aconteceram. Por isso não estamos vendo os viajantes ou sentindo suas mudanças.  E de fato nós somos esses viajantes". Por um momento aquilo tudo me pareceu fruto do álcool, mas algo ali começou a fazer sentido. É como se eu olhasse uma sucessão infinita de espelhos refletindo a minha imagem através de todas as realidades possíveis. Eu estava diante do cronomotor, dois assistentes operavam o aparelho. Sim,  dois ou três ajustes, os cálculos diziam, e eu colocaria a coisa no eixo. A luz brilhou, e o mundo caiu para dentro de si mesmo.  Na sala eu aguardava meu aluno. Era uma tarde fria de inverno. Ele chegou, jovem, eu lhe disse que hoje não era um bom dia para trabalhar, mas que podíamos discutir tudo numa boa mesa perto da lareira do bar do Joe. Enquanto bebíamos aquele bom conhaque, eu tomei coragem e disse "a viagem no tempo já foi inventada".

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