Tanto sonhos, Senhor, caídos ao chão
O vento ruge selvagem nas estradas
Levantando poeira cheia de frases desconexas
De quem tenta dar sentido ao seu desvario
Mas os mortos já não ligam, nem sonham
Não procuram respostas na vontade
De que as coisas sejam o que não são
Nem participam da fé louca dos vivos
Eu penso que agora eles sabem
E se pudessem, me diriam para deixar
Que alguns desses frutos insanos
Fossem aninhar-se no pó do esquecimento
Ontem, Senhor, passei pelas portas de um cemitério
Cheio de vivos lamentando o triunfo da morte
Nas abóbadas dos túmulos se aninhavam
Estranhas figuras enroladas nas cruzes
Sombras predizendo algo que eu não podia
Entender naquela língua perdida
No sopro imemorial dos antigos tempos
Pois eu só ouvia a estranha melodia tocada
Na face de uma solitária garotinha
Cujas lágrimas percorriam um caminho sinuoso
Enchendo o ar daquele som ancestral
Do encontro do que acabara de ver o sol
Com aquilo que se aninha na noite sem fim
A tristeza quase me fez cair num daqueles túmulos
E quando eu já não suportava o desespero
Vi que entre aqueles rios melódicos
A vida se erguia enchendo de luz cada margem
E os frutos na terra molhada, na madrugada podres
Fecundaram a terra esperançosa daqueles olhos
Era ainda uma plantinha tão pequena, Senhor,
E já mostrava novos sonhos que cobriam aquela
Face desolada.
Então entendi, Senhor, que o triunfo é da vida
Que apenas o fato de existirmos já nos mostra
Que a implacável entropia do cosmos
É o que coroa a grandeza dessa fragilidade
Quando o singelo toca o bruto
E o mundo se enche novamente de cores...
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