quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Futuro do Pretérito


Aconteceu no verão de 2019 do hemisfério norte. Um pequeno artefato nuclear de tecnologia até então desconhecida foi detonado no centro de Londres matando imediatamente três milhões de pessoas e pelo menos mais seis milhões por envenenamento radiativo nas semanas que se seguiram. Ao mesmo tempo em que a bomba atingiu a capital britânica, outra centena de ataques com bombas convencionais ocorreram na Europa e em empreendimentos ocidentais no Oriente Médio e na África.
Enquanto o Ocidente chorava seus mortos e tentava de algum modo entender aquela tragédia sem precedentes, uma série de revoluções eclodiu nos países de maioria islâmica onde a Sharia ainda não era lei de estado. Muitos muçulmanos ficaram chocados pelo tamanho do ataque, mas poucas vozes se levantaram, pois eles sabiam que o ocidente não perdoaria aquele agravo e que eles seriam os culpados em potencial, mesmo que nenhuma prova concreta existisse da participação de muçulmanos.
Três semanas depois do ataque, um grupo de especialistas de diversos países trouxe a público uma série de evidências indiretas de que um novo grupo radical de inspiração islâmica havia planejado o ataque. Mesmo que nenhuma prova concreta tivesse sido apresentada, aquela passou a ser a explicação oficial para o incidente prontamente aceita.
O ocidente viu nascer uma espécie de nacionalismo de defesa. Os ideólogos da teoria do perigo islâmico congregaram a maior parte da população em torno de suas ideias, e não houve resistência, considerando o trauma definitivo que se abatera sobre as sociedades ocidentais.
As comunidades islâmicas foram rudemente tratadas, e houve deportações em massa de cidadãos que não comprovassem estar pelo menos a duas gerações no país em que habitavam. Essas comunidades foram fortemente vigiadas e muitos deles retornaram para seus países de origem "espontaneamente".
As repúblicas ocidentais endureceram e seus cidadãos aceitaram o decréscimo de liberdade em troca de segurança. Leis marciais foram impostas e as eleições para cargos elevados passaram a ser indiretas.
A religião, de modo geral, sofreu e várias leis de controle foram impostas. A América formou um grande bloco e seguiu os europeus no medo do fantasma da bomba de Londres, relembrada a cada ano com a renovação do luto.
Os jovens se alistavam em massa para combater o "inimigo maometano" e muitos clamavam por uma cruzada definitiva contra o Oriente. Países europeus com grandes contingentes islâmicos sofreram severos bloqueios e foram erguidos muros de contenção em diversas partes.
Para fazer frente à falta de combustíveis fosseis, várias tecnologias foram desenvolvidas e a maioria dos automóveis de combustão interna eram movidos a um novo tipo de etanol de maior octanagem.
O planeta estava dividido em três mundos. O ocidente sempre temeroso de um novo ataque, o oriente com fronteiras que não duravam seis meses e rachado por revoluções com boa parte da África como campo de batalha, dividida entre os dois blocos e os países asiáticos fechados em si mesmos, com uma imensa população faminta em economias estagnadas e um retorno às origens feudais.
Foi quando as Cruzadas começaram. Eram campanhas de conquista levadas a cabo com estrema violência e crueldade. O pouco que havia de empatia entre os povos dos dois lado do globo morreu com a bomba.
Os ocidentais se encastelaram em torno dos campos de petróleo, sempre perseguidos pelas técnicas de guerrilha de líderes tribais empobrecidos e famintos. Boa parte do oriente regrediu e a população rareou bastante.
No fim das guerras de conquista pelo menos um bilhão e meio de pessoas havia morrido diretamente, e muitas outras morreram no decorrer dos anos em meio às ruínas de antigos e modernos países.
A prosperidade voltou ao Ocidente, e novos ares de liberdade sopravam resgatando antigas doutrinas de direitos e cidadania. Foi quando as bombas voltaram, e o mundo nunca mais foi o mesmo, nem a liberdade deu mais as caras.

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