Aconteceu no verão de 2019 do hemisfério norte. Um pequeno artefato nuclear de tecnologia até então desconhecida foi detonado no centro de Londres matando imediatamente três milhões de pessoas e pelo menos mais seis milhões por envenenamento radiativo nas semanas que se seguiram. Ao mesmo tempo em que a bomba atingiu a capital britânica, outra centena de ataques com bombas convencionais ocorreram na Europa e em empreendimentos ocidentais no Oriente Médio e na África.
Enquanto o Ocidente chorava seus mortos e tentava de algum modo entender aquela tragédia sem precedentes, uma série de revoluções eclodiu nos países de maioria islâmica onde a Sharia ainda não era lei de estado. Muitos muçulmanos ficaram chocados pelo tamanho do ataque, mas poucas vozes se levantaram, pois eles sabiam que o ocidente não perdoaria aquele agravo e que eles seriam os culpados em potencial, mesmo que nenhuma prova concreta existisse da participação de muçulmanos.
Três semanas depois do ataque, um grupo de especialistas de diversos países trouxe a público uma série de evidências indiretas de que um novo grupo radical de inspiração islâmica havia planejado o ataque. Mesmo que nenhuma prova concreta tivesse sido apresentada, aquela passou a ser a explicação oficial para o incidente prontamente aceita.
O ocidente viu nascer uma espécie de nacionalismo de defesa. Os ideólogos da teoria do perigo islâmico congregaram a maior parte da população em torno de suas ideias, e não houve resistência, considerando o trauma definitivo que se abatera sobre as sociedades ocidentais.
As comunidades islâmicas foram rudemente tratadas, e houve deportações em massa de cidadãos que não comprovassem estar pelo menos a duas gerações no país em que habitavam. Essas comunidades foram fortemente vigiadas e muitos deles retornaram para seus países de origem "espontaneamente".
As repúblicas ocidentais endureceram e seus cidadãos aceitaram o decréscimo de liberdade em troca de segurança. Leis marciais foram impostas e as eleições para cargos elevados passaram a ser indiretas.
A religião, de modo geral, sofreu e várias leis de controle foram impostas. A América formou um grande bloco e seguiu os europeus no medo do fantasma da bomba de Londres, relembrada a cada ano com a renovação do luto.
Os jovens se alistavam em massa para combater o "inimigo maometano" e muitos clamavam por uma cruzada definitiva contra o Oriente. Países europeus com grandes contingentes islâmicos sofreram severos bloqueios e foram erguidos muros de contenção em diversas partes.
Para fazer frente à falta de combustíveis fosseis, várias tecnologias foram desenvolvidas e a maioria dos automóveis de combustão interna eram movidos a um novo tipo de etanol de maior octanagem.
O planeta estava dividido em três mundos. O ocidente sempre temeroso de um novo ataque, o oriente com fronteiras que não duravam seis meses e rachado por revoluções com boa parte da África como campo de batalha, dividida entre os dois blocos e os países asiáticos fechados em si mesmos, com uma imensa população faminta em economias estagnadas e um retorno às origens feudais.
Foi quando as Cruzadas começaram. Eram campanhas de conquista levadas a cabo com estrema violência e crueldade. O pouco que havia de empatia entre os povos dos dois lado do globo morreu com a bomba.
Os ocidentais se encastelaram em torno dos campos de petróleo, sempre perseguidos pelas técnicas de guerrilha de líderes tribais empobrecidos e famintos. Boa parte do oriente regrediu e a população rareou bastante.
No fim das guerras de conquista pelo menos um bilhão e meio de pessoas havia morrido diretamente, e muitas outras morreram no decorrer dos anos em meio às ruínas de antigos e modernos países.
A prosperidade voltou ao Ocidente, e novos ares de liberdade sopravam resgatando antigas doutrinas de direitos e cidadania. Foi quando as bombas voltaram, e o mundo nunca mais foi o mesmo, nem a liberdade deu mais as caras.
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