sábado, 28 de março de 2020

A noite caminha ao meu lado

A noite caminha ao meu lado, como velha companheira de viagens
De uma só viagem que se faz entre dois pontos de uma outra na eternidade
Mesmo que eu ande por caminhos já passados, é sempre um caminho novo
Pois se uma pessoa não pode nadar duas vezes no mesmo rio
É impossível estar duas vezes num lugar que deriva também como o restante
Eu passo por outros viajantes, alguns me olham de canto, a maioria ignora e segue adiante
De uns eu sei o nome, de outros a direção, da maioria ignoro tudo, como também sou ignorado
Às vezes um deles caminha ao meu lado, e conversamos longamente sobre nada, até que numa sombra qualquer nos separemos e um pelo outro nunca mais é lembrado
Uma vez pensei ter visto o sol, e corri ansioso pelo fim da caminhada, mas minha parceira me segurou pelo braço
Aninhou-se em meu peito e me fez esquecer qualquer possibilidade de luz
Depois que a noite se fez menos noite, quando eu de novo estava a costumado
Recebi das mãos de um velho descarnado uma página rasgada de um livro qualquer
Onde li estranhas palavras que fizeram minha companheira se afastar, indo prestar seus desejos a algum outro companheiro
As letras fluíam radiantes pelo papel amarelado, eu lia, chorava, ria, mas no fundo nada entendia
E então já cansado daquele brinquedo, eu mesmo o entregava a outro ser vacilante que por ali descansava
A noite voltava, o dia que não foi se ia, e eu voltava ao caminho que não me levava a lugar nenhum
Ela me fita profundamente, eu apenas suspiro, e vamos pelo caminho como dois amigos, como dois velhos, como dois adolescentes que sabem tudo e não sabem nada.

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