Você já teve a impressão de que não entende nada ao seu redor, nem mesmo as crenças que possui? Uma coisa que poucos admitem é que não temos ideia de onde vieram algumas das ideias que assumimos como verdades sem questionar.
A gente está acostumado a aderir a sistemas. Assim são nossas ideias políticas, nossas crenças religiosas, nossos costumes.. a lista vai longe. A gente recebe as coisas prontas e depois, se tivermos vontade de elaborar mais nosso discurso, a gente vai em busca dos fundamentos intelectuais daquilo que a gente já tem como crença. Por trás da crença sempre existe uma pressão ou um benefício social. Mesmo que a gente troque um conjunto de ideias por outro, ainda são esses os motivadores.
Veja, essa mente livre, essas busca pela verdade das coisas, não é uma característica de nenhum sistema. Todos eles estabelecem uma lista de ideias corretas e apenas admitem o “diálogo” para fixar mais essas ideias, capacitar você para combater grupos divergentes ou te dar uma impressão de liberdade com assuntos pouco importantes. Se você questionar os ensinos centrais do seu grupo, não importa qual seja, vão tentar te “enquadrar” ou, se isso falha, extirpar você do grupo.
É porque a gente, o grupo, a massa, tem uma só finalidade, fazer o trabalho pesado para quem pensa. Mas a gente numa entende realmente os fundamentos de tudo aquilo. Isso porque a gente só tem liberdade para ver a lista das coisas corretas, mas nunca vemos os interesses reais, os objetivos.
Tomemos como exemplo a maioria dos militantes políticos de qualquer espécie. Suas pautas têm sempre um apelo emocional. A luta é por algum tipo de justiça transcendental, mesmo quando apontam problemas bem reais do mundo.
Se a gente deixasse um pouco todas essas pautas e fosse ao cerne da coisa, veria que tudo se resume a DUAS IDEIAS BÁSICAS.
A PRIMEIRA vê a sociedade e seus mecanismos como fruto da evolução histórica e que, portanto, deve-se alterar o menos possível esse equilíbrio. Porque aquilo tudo foi testado pelo tempo. É uma posição conservadora porque acredita que a "natureza" (aqui muito além do sentido ecológico) filtrou as melhores soluções. Melhorias são possíveis, mas deve-se ter cuidado para não perturbar o equilíbrio e, portanto, a realidade.
A SEGUNDA entende que o homem já transcendeu a NATUREZA, e que agora não é apenas um sujeito histórico, mas o sujeito da história. Essa visão acredita que a realidade deve ser construída pela ação humana, dirigida por ela. É uma visão positivista, ou seja, considera que possui uma visão científica e um modelo que aplicado à realidade altera o mundo. Esse grupo está interessado na realidade apenas até o limite em que é preciso entendê-la para transcendê-la.
Pode-se dizer que o primeiro grupo é “realista”, apenas no sentido em que acredita que as coisas são como são porque funcionam. O segundo acredita que as coisas são como são porque um grupo ou grupos se beneficiam disso e exploram a maioria. O primeiro admite mudanças lentas e graduais, o segundo entende que a ordem deve ser subvertida e que a nova ordem deve ser direcionada.
É claro que a maioria de nós não sabe disso. Ficamos na periferia, nos temas que são efeitos daquelas causas. Se a gente é influenciado pelo primeiro conjunto, vamos defender valores tradicionais e acreditar que existe uma ordem que transcende a vontade humana mantendo esse conjunto de coisas. Essa vontade transcendente pode ser Deus, ou a natureza (agora em sentido ecológico). No segundo caso teremos uma visão crítica sobre o sistema, vamos apontar as distorções desses valores tradicionais e lutar por estabelecer uma realidade mais justa, com um modelo econômico e político. Paradoxalmente, o primeiro sistema vai falar em liberdade, porque deixando as coisas fluírem (até certo ponto) respeita-se o equilíbrio. O segundo entende que a liberdade deve ser regulada porque as pessoas encontram-se escravizadas e suas vontades estão corrompidas, de modo que sujeitando-as é que se lhes concede a verdadeira liberdade.
Para entender isso pense em dois grandes sistemas, o capitalista e o socialista. Embora a gente ouça que existe um capitalismo, deve-se entender que o "ismo" final não é um conjunto de ideias como o socialismo ou o realismo. Porque o capitalismo não foi criado num momento qualquer como o reflexo de um conjunto de ideias, mas efetivamente evoluiu desde que o homem criou o conceito de propriedade privada, ou seja, de que podia ser dono de alguma coisa. É claro que pode-se falar em capitalismo moderno e que esse foi alvo de muita especulação intelectual, de refinamento e técnica. O socialismo também tem seus ancestrais naturais, mas modernamente é fruto de uma doutrina específica, não existe como uma força sem esse conjunto de ideias que lhe dão forma e direção. Um estado pode ser capitalista, no sentido de que o capital é privado, visa o lucro, e pode ser livremente negociado ou negociado segundo regras mínimas. No socialismo o capitalismo é domesticado, nesse caso é um capitalismo de estado, porque é o Estado quem é dono dos meios de produção e orienta plenamente a aplicação do capital.
Veja que um estado pode ser capitalista sem ser uma democracia. E que não pode ser socialista sem ter uma política de estado para o capital, política de plena posse. O que socialistas, mesmo os democratas, querem é submeter o capital ao Estado para derivar dele o bem social, mas um bem orientado, positivo. Os capitalistas, por outro lado, acham que a acumulação é o meio, e que dela deriva a prosperidade para todos, uma vez que os capitais vão sendo reaplicados gerando empregos, melhorando salários, criando um mercado consumidor, etc. Um estado desenvolvimentista, ou seja, que admite um livre mercado, mas também acredita que o Estado deve ser o principal agente nesse processo, também pratica capitalismo de estado e pode-se dizer que é uma entidade mista entre os dois modelos, sendo mais afeita, quanto aos seus objetivos, com o segundo, o capitalismo liberal.
Em suma, a maioria de nós passa longe da verdade dessas ideias. Somos a massa de manobra, os trabalhadores braçais. Dificilmente entendemos o cerne da questão, e temos muita pouca liberdade depois que somos cooptados por um dos dois sistemas, embora ambos falem em liberdade, nenhum deles está interessado em aceitar que cada pessoa pense e decida por si mesma. Desse modo a liberdade é só um conceito, uma ideia, uma promessa. Sempre no horizonte, nunca realizada.
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