quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Senhor Deus dos Desgraçados...

Senhor Deus dos desgraçados
Dos que são vis, abjetos, famintos e de toda sorte humilhados
Os vales se enchem de vultos, de seres cobertos de andrajos
E de todo beco sujo jorram pessoas como água
Das galerias da terra expostas à enxurrada

Os miseráveis buscam as faces ocultas nas faces da Terra
Nos fenômenos que ocorrem nos ares
Nas linhas puras dos anjos das igrejas antigas
Mas és um Deus escondido das belezas
Deus de todas as grandezas, das milhares de milhares de estrelas
Que fulguram no céu profundo de uma noite escura
Mas que abominas toda grandeza da vaidade humana
Deus dos rejeitados que zombas da morte
Nas linhas trágicas de um pobre flagelado
Em que vibram a dor e a desolação
Nos olhos vermelhos que vertem lágrimas
De sangue diante da solidão
De um vasto conflito a nós impenetrável
Musicado num “Deus, por que me abandonaste?”
Senhor Deus dos que não possuem esperanças, nem nome
Nem mão que os alimente e cure suas feridas
Há noites, Senhor, que são tão escuras que a gente
tateia em busca de uma luz que não se mostra nunca
Mas há noites, Senhor, tão mais escuras que
O pobre chega a pensar que o mundo dos seus pais
Mesmo sendo ele um aborto em vida
Já se esvaíra para dentro do fosso do nada
Mas Senhor Deus dos que nunca foram
Neles tu te afiguras pelo que és,
Nas suas dores, nas suas tristezas, nas suas contradições
Tu mesmo fizestes tua a dor de tantos
Tu mesmo és um deles, e neles apenas
Afiguras-te pelo que és, um Deus
Que não habitas palácios, mas sarjetas
Que não iluminas banquetes, mas és
O sabor que a fome experimenta
Na boca de todo excluído da Terra
A tua glória que as glórias dos homens anula
Fulgura num rosto sujo, numa pele doente
Nas chagas de um indigente feito imagem da imagem
Do Teu Nazareno, de todos a glória, de todos a dor
De todos o supremo tipo de toda vileza possível
Ao que caído tateia entre o lixo
Alguma coisa qualquer que podre possa ainda ser comida.
Senhor Deus das nossas misérias
Não te buscamos mais, pois não estás distante
Apenas de olhar uma superfície reflexiva
E já sabemos que habitas conosco
Que és um de nós em nossa pobreza
Um de nós no desemparo, na solidão
No maltrato e na contradição de ser
Um miserável num mundo que
Fizestes tão rico.
Senhor Deus dos Miseráveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário