Num futuro próximo a tecnologia vai mudar radicalmente o modo como enxergamos o mundo, quando equipamentos quase invisíveis ou implantes tornarem a “realidade aumentada” parte do nosso dia a dia. A gente vai usar isso na educação, no entretenimento, na publicidade e como manifestação artística, sem excluir milhares de outras aplicações.
A gente já percebe os sinais dessa revolução em jogos como Pokemon Go, em equipamentos como Google Glass, nos programas que utilizam GPS, como o Google Street. Realidade aumentada é a “projeção” de informações virtuais sobre elementos físicos com certo grau de interatividade.
A questão é que já vivemos em realidades aumentadas, e não estou falando de mudanças físicas ou de objetos que criamos no mundo, desde a revolução cognitiva do paleolítico ( não confundir com a expressão de mesmo nome utilizada para designar o início das ciências cognitivas) quando aprendemos a enxergar o mundo por meio de uma realidade imaginada.
Nem tudo o que imaginamos existir existe de fato como realidade material. Nosso mundo é parte físico e parte conceitual. E tratamos esse aspecto conceitual como se ele fosse realmente parte material do mundo. Na verdade não entendemos o mundo sem os conceitos. Para entender algo que vemos, precisamos de uma definição. Essa definição mais a imagem da coisa passa a ser, em nossa mente, a realidade daquilo que vemos.
Muitas coisas que acreditamos serem reais são objetos conceituais. O Estado, a definição política de um país, o valor atribuído ao dinheiro, a passagem de um ano a outro ( não confundir com o ciclo físico, falo do ano “civil”), etc.
A realidade conceitual é parte essencial da nossa existência. Mas também pode nos cegar para a realidade concreta dos fatos, pois de posse de um aparato conceitual vamos sempre projetar sobre o mundo nossa própria definição do que ele é.
Muita gente percebeu esse perigo em nossa história. A filosofia nasceu como uma busca pelo real. Muitas religiões prometem isso, embora elas contribuam em grande parte da nossa idealização do mundo real. Talvez o budismo na sua versão zen seja a que mais se aproximou desse desnudamento do real.
De todo modo, não parece ser uma coisa fácil ver o mundo pelo que ele realmente é. E talvez seja porque é mesmo impossível entendermos o que nos cerca sem definições. A simples contemplação nunca é totalmente pura, sempre existe algum grau de projeção. A ciência busca esse mundo real por meio de observação e experimentos, mas mesmo ela tende à conceituação, embora buscando o fato real, concreto. A ciência ainda é nossa melhor ferramenta, porque mesmo sujeita ao idealismo conceitual, ela possui mecanismos de autocorreção.
A realidade aumentada cibernética pode acentuar esse nosso grau de desvio cognitivo. Embora não possamos viver sem definições , podemos treinar os olhos da mente para entender que a realidade conceitual que se sobrepõe ao mundo existe e não é definitiva. Não enxergar isso pode estar na raiz dos nossos problemas para entender o mundo. Talvez nunca possamos realmente deixar a caverna, mas parece que nossas correntes são maiores do que imaginamos e, se a gente quiser, nos permitem dar uma voltinha “lá fora”.
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