sábado, 26 de setembro de 2015

Crônica de um ex-milico.

Eu, aos 18, sendo infante.
Quando você é um soldado, lá pelos seus dezoito anos, você só pensa e vive para os seus instintos básicos. O mundo se reduz a sono, comida e bebida. Ocasionalmente sexo. Nada mais. Se tem uma coisa que você pensa é em como seria bom matar seus superiores de um modo bem cruel, pelo menos aqueles que te trataram mal. Mas ser tratado mal tem o seu próprio sentido na caserna. Não é te "sugar", ou gritar que você é um mocorongo que perde para a irmã vesga dele, é não ser digno de respeito. É muito difícil explicar isso para vocês seus civis folgados. Mas é quase como uma coisa de "aura", o cara é um bronco, estúpido, mas você no fundo admira aquele pulha! Têm aqueles que tentam ter o mesmo comportamento e te fazem pagar duas vezes mais, mas neles as coisa soam artificiais, falsas. Você tem que olhar para o cara e ver nele um guerreiro pronto a morrer com você, a comer as mesmas porcarias que te dão. É um maldita irmandade aquilo tudo.
Depois que você deixa de ser militar, e quase todo militar sonha em deixar de sê-lo, você começa a sonhar com a vida na caserna que não teve. Vez por outra se pega pensando que se pudesse retornaria. Imagina-se ostentando a estrela de segundo-tenente sobre os ombros e a perspectiva agradável de ganhar mais duas e ter sua própria companhia, com seus quatro ou cinco pelotões de homens para atormentar. Se isso acontece logo depois da baixa, você tenta afastar aquele pensamento. É preciso cultivar o ódio como defesa para a separação. Mas o tempo expulsa o ódio, e você percebe que toda aquela maldita programação militar moldou você de tal modo que passará o resto da sua vida sendo um milico preso numa maldita prisão civil.
O tempo vai passar e você vai continuar pensando nos seus amigos do tempo em que servia. De alguns você não vai lembrar o nome, de outros ficarão apenas as lembranças engraçadas, alguns serão lembrados como pulhas e será impossível para você não chamá-los pelos seus nomes de guerra.
Você pode se tornar um ativista de direitos, um cara que abomina as autocracias militares, e mesmo assim, de modo paradoxal, ainda vai se comportar como se fosse um militar. Seu modo de pensar foi programado para isso e você não pode escapar. E você vai continuar sendo um agente duplo para o resto da sua vida, jogando padrões de pensamento nas pessoas ao seu redor, e falando aquelas gírias que só quem serviu entende.
Você vai exaltar o Brasil por ele não ser belicista, mas no seu íntimo vai sempre lamentar que nossas forças armadas, principalmente o seu amado E.B., não sejam inteiramente profissionais e não tenham te dado a oportunidade, que você sempre disse que não queria, de ter "seguido uma carreira".
Saltitando!!!!

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