Houve
guerra no céu. Mas antes havia paz quando os exilados viviam entre as estrelas.
Eles
já eram antigos quando o universo nasceu.
Viviam em paz na luz da razão de YHWH. Os antigos estavam ocupados
plantando jardins em esferas inóspitas e ligando os cantos distantes da Grande
Árvore dos Mundos. O espaço se agitava
com as luzes da criação e aperfeiçoamento.
Das
trevas YHWH observava o trabalho de suas mãos em silêncio. No turbilhão de
dados ele via, via e sofria a desolação um trilhão de trilhão de trilhão de
vezes. A dor crescia com a chegada da ocasião. Mas ele apenas observava.
No
princípio YHWH produziu a música e então a luz se separou das trevas. Na
vibração cósmica ele viu surgirem os elementos. Observou por éons. Não foi
suficiente observar, era necessário ver por outras mentes. Da música ancestral
ele moldou os Antigos e o universo encheu-se de movimento. Os números se multiplicaram nas coisas e o
depósito de informação se avolumou.
Era
vida, mas vida sutil ainda enfeixada em ondas energéticas. Então viu na mente
dos antigos surgir o desejo, mas o desejo bruto e indeciso. Sabia as cores do
desejo, como ele era luz e trevas, mas não haveria luz sem trevas. Ele sabia,
YHWH sempre soube.
“Que
seja” – a corrente perpassou sua mente e as sombras do espaço tremeram.
Os
antigos produziram a partir do desejo. A matéria animou-se e o movimento se fez
nela, pois agora havia movimento além das entidades energéticas.
Foi
assim por eras, até que irrompeu a guerra. As esferas celestes tremeram e
mundos inteiros mergulharam no horror e na destruição.
YHWH
permanecia imóvel, e universo existia nele. O desejo fora solto, ele trouxe o
pensamento, mas trouxe a ambição e os antigos se dividiram, alguns queriam
continuar a brincar nas faces elementares dos mundos. Havia reinos naqueles
dias, reinos que trafegavam pelas esferas protegidos em veículos reluzentes.
Isso aconteceu quando os antigos ensinaram aos seres de matéria os segredos da
música de YHWH. E assim eles criaram. E deles, dos seres, brotou também o
desejo. E assim como os antigos, eles também brincaram e produziram.
Na
orla distante de uma pequena afloração eles criaram a esfera, e tingiram-na de
azul, cobrindo-a com vida. Mas isso levou eras. E enquanto lá as coisas mudavam
e cresciam, nas partes mais distantes da Árvore, os Antigos foram seduzidos
pelo desejo material dos seres. Eles interagiram e neles os Antigos sentiram o
aflorar de outro universo de sensações. Alguns deles olharam para o abismo e
pediram que YHWH lhes desse o benefício da forma, mas ele não lhes disse
palavra, permaneceu como sempre, imóvel e calado. Mas ele sabia, cada fímbria
da realidade gritava o horror que se assomava. Ele também desejava, sempre
desejou.
Os
dois exércitos se encontraram nas fronteiras da Árvore. E uns para os outros
diziam que aquilo era loucura. Os que se moveram diziam que seu destino era
questão deles e que tudo podia crescer até o infinito onde eles seriam como
YHWH. Os que não se moveram diziam que a própria árvore se sustentava em YHWH e
que sem ele não haveria realidade. Uma vez firmados em seu desejo, não houve
mais entendimento entre eles.
A
dor e o medo prosseguiram nas correntes pelas orlas do TODO, os veículos
brilhantes pararam de navegar, cada povo se recolheu à sua casa e os reinos se
esfacelaram enquanto os Antigos pelejavam pelas estrelas.
O
Universo quedou desolado e quase não havia mais vida quando YHWH fez cessar e
guerra. Todos observaram calados quando a Árvore se agitou e as estrelas
perderam seu brilho, houve trevas quando a luz se recolheu e os Antigos andavam
cegos e aterrorizados.
Então
os Antigos que não se moveram juntaram suas vozes num canto suave e
melancólico. YHWH dirigiu algo de sua percepção para a elegia que se elevava
das hostes de serviçais.
O
universo gritou com YHWH e todos os Antigos que se moveram foram acorrentados
nas ondas da antiga canção.
A
Árvore toda se abriu para YHWH e nas suas raízes mais tenras ele viu o globo
azul.
Era
noite e o céu brilhou com a luz de dez dias quando os antigos desceram. Houve
fogo e turbilhão e a morte levou quase tudo o que se movia. Por eras o planeta
esteve em escuridão, nuvens de poeira se agitavam nos ares feridos.
Os
antigos choraram. Então a luz voltou e a vida lentamente foi cobrindo a face da
esfera. Dias e noites se sucederam por muito tempo antes que os Antigos
tentassem voltar para as estrelas. Eles
subiram aos limites dos ares, mas assim que tocaram o manto negro do espaço,
foram repelidos com a força que para sempre os manteria presos na pequena
esfera, mesmo quando todas as luzes se apagassem e YHWH se recolhesse ao seu
descanso, antes de novamente tocar sua canção criadora.
Eles
olharam desolados as estrelas distantes, sedentos de medo e de saudade. Então eles ouviram a voz lúgubre do Carcereiro
e desejaram.
As
bestas corriam na lava vulcânica quando Ele teceu os elementos da nova
criatura, de longe os Antigos apenas observavam. E a luz do pensamento foi
plantada na mente obscura. O Carcereiro ascendeu sem dar ouvidos aos pedidos
dos Antigos. Mas eles apenas queriam ouvir sua voz.
O
homem era ainda uma criança correndo nua nos campos quando o pensamento emergiu
sob as luzes crepitantes de uma fogueira.
Então
os Antigos lembraram-se dos outros seres e das reluzentes naves. E lembraram
como uma vez puderam fundir seu desejo com o daquelas criaturas e sentir nelas
o fluir das sensações.
Eles
tentaram, mas aquelas criaturas não possuíam o mesmo canal que os outros, seu
desejo era animalesco, não cintilava com as aspirações que levaram os seres às
estrelas.
Então
os Antigos lhes deram aspirações e criaram neles uma consciência diferente,
algo que era a mente ancestral deles mais as aspirações e desejos dos próprios
antigos.
Os
dias voltaram a ser brilhantes para os Antigos, eles voltaram a criar
abrigados no Homem. Experimentaram a paixão que faz a semente florescer da
terra nua e macularam-se numa sensualidade que não era o fogo eterno de sua
natureza ancestral.
No
homem os Antigos caíram uma segunda vez e se dividiram, amaram e guerrearam até
quase esquecer de onde tinham vindo. Naquela carne habitaram, cercados e
levados por ondas de manifestações sensoriais, pois até então nunca tinham
sentido tal variedade de sensações. Tornaram-se deuses e demônios.
O
homem era a semente guardada nas entranhas das bestas, destinado a surgir
quando o tempo se cumprisse, mas o Carcereiro, cativo do cativeiro que zelava,
desejou ver os seres novamente e deu um tempo antes do tempo para o
aparecimento da Humanidade. Depois ele lamentou e chorou encolhido pelo mal
que soltara no mundo, mas YHWH o consolou em notas ansiosas. Ele desejava que
assim fosse, e assim foi.
Uma
vez mais o desejo das estrelas voltou a palpitar no coração dos Antigos e eles
lembraram de quem eram e de seu plano no começo de tudo, voltar à morada
celeste. Mas a humanidade vivia em
barbarismo, alheia, até mesmo, da natureza das estrelas.
Era
preciso levá-los da barbárie à civilização e da civilização fazer brotar a
ciência dos veículos estelares. Mas não havia uma língua que humanos e Antigos
falassem em comum, os primeiros só sentiam o desejo que os segundos lhes
inspiravam.
A
Terra era medo e superstição, pois os Antigos, cegos pela luxuria da carne,
ensinaram muitos erros aos homens e multiplicaram a dor e o medo.
A
Religião era a luz dos homens, mas essa luz era ilusão. Durante muitos anos os
Antigos depuraram o desejo e criaram no homem as aspirações.
As
cidades cresceram, houve guerras, pois das guerras nasciam mais aspirações. O
paraíso estava sempre distante, aguardando no horizonte e, tentando alcançá-lo,
os homens mudaram e cresceram.
A
tecnologia nasceu tímida, mas logo gatinhou e por fim correu. Mas os homens
amavam a Terra, não queriam se apartar dela. Os Antigos olhavam os céus e se
perguntavam onde estariam os outros seres, mas o céu continuava calado, como
fora desde os primeiros dias.
Eles
mandaram mensagens, mas as respostas não vieram.
E não havia, para eles, o consolo da morte.
O
homem amava a Terra, portando só havia um meio de fazê-lo sair dela, prometer
outra, melhor, e destruir a que agora existia!
A religião já tinha prometido outra Terra, era
agora necessário produzir o mesmo desejo na ciência.
O
tempo fluiu. O planeta tornou-se um torrão desolado onde poucas cidades
sobreviviam cobertas por cúpulas douradas. O homem vivia enclausurado, não
havia mais árvores ou animais. As antigas florestas eram desertos mortos e os
rios não corriam mais. Apenas o mar se agitava, mas de um agitar fúnebre, pois
mesmo ele morrera há décadas.
No
dia em que as grandes naves reluzentes estavam preparadas para partir, os
Antigos choraram novamente. Eles olhavam as estrelas distantes como antes os
cervos observavam as águas correntes, mas nem cervos nem água corrente existiam
agora.
Então
a ordem foi dada e os grandes motores que levariam os humanos além das
fronteiras de sua estrela se moveram. O som encheu os ares da Terra morta e
grandes nuvens de vapor e fumaça escaparam das cúpulas abertas.
Os
antigos aninharam-se nos homens quando as naves atingiram a divisão entre o céu
cinza da Terra e a negritude do espaço.
As
naves cruzaram os limites e perderam-se na noite do cosmos.
Mas
os Antigos foram arrancados com violência das naves. E desceram como estrelas
errantes sobre a face devastada do mundo.
A
Terra escura e morta estava abaixo deles. Apenas rocha, poeira e o cadáver da
civilização humana eram as testemunhas mudas da maldição dos Antigos.
Estavam
presos, eternamente presos num mundo morto. Então eles finalmente entenderam.
Eram eternos exilados.
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