A primeira vez que vi Helena
Foi num dia de quermesse
Eu a vi num momento
Os olhos fechados e as mãos juntas
Rezando à Virgem, cercada de preces
A criança Helena abriu seus olhos
E eu me perdi naqueles olhos silentes
Que diziam tanto em tão pouco...
Corríamos entre as barracas de doces
E Helena criança me levava pelas mãos...
Tão feliz era o dia, eu criança
Tão inocente como um pássaro livre!
No outro ano meus pais me mandaram à escola
E sentado à rústica carteira de roça
Vi entre as fileiras os olhos pequenos e
O sorriso da minha querida Helena!
Sempre juntos eu e Helena
Correndo no pasto, dando asas
À liberdade infantil de dias esquecidos
Sentávamos na relva, sentindo seu cheiro adocicado
Vendo de longe o gado a pastar e os bezerros
Saltando aos lados de seus pais!
Nas tardinhas de verão descíamos a estrada
Para nos banhar nas águas limpas do ribeirão
Ficávamos tomando sol e Helena me dizia
Dos seus sonhos de futuro
Seria professora, dizia, lá na cidade
Teria uma casinha arrumada e faria
Da vida uma felicidade para seu marido e
Seus abundantes filhos.
Eu baixei os olhos tristes ao pensar nesse marido
E Helena, como adivinhando disse:
“Não seja bobo, quando eu casar vou casar é contigo”
Os anos se passaram e Helena chegara àquela fase
Da vida em que as mulheres brilham como o sol
E fazem os homens virarem as cabeças
Ao passarem.
Ah, Helena, minha querida!
Já andávamos como dois namorados
Colhendo as flores no campo e nos perdendo
Em sonhos daquele futuro que almejávamos!
Você me fez jurar, ainda me lembro,
Que quando eu fosse à cidade em busca de trabalho
Arrumaria lá as coisas e voltaria para te buscar!
A cidade cinza se abria diante de mim
Como um monstro sobrenatural engolindo almas
E lançando fumaça das suas narinas inflamadas
Fui arregimentado numa obra
Colando de sol a sol a pálida imagem de um sonho
Num caderno azul de esperanças cuja capa
Trazia a foto da adolescente e bela Helena.
Nas tardes cansadas ficava na cama embalado
Nos sonhos e nos olhos suplicante se Helena.
As cartas iam e vinham e eu com elas nas mãos
Me perdia no tempo e no cheiro que eu imaginava
Fluir daquelas simples e belas missivas...
Mas o tempo foi passando e as cartas
Deixaram aos poucos de fluir
Até que cessaram de voltar
Em resposta às tantas que eu ainda enviava...
Emprestei às tardes quentes a amargura da saudade
E quedei-me no fim dos dias desesperado
Pensando em retornar aos braços doces de Helena
Foi num dia qualquer, o mais triste da minha vida
Quando diante da rodoviária recebi meu primo
Que viera do campo colher, como eu, uma
Nova existência como operário na Cidade Grande
Corri e perguntei como ia Helena
Pois, eu dizia, ela deixara de me responder
Ainda não terminara a frase e vi nos olhos do primo
A realidade crua como a fuligem nos telhados
Helena estava noiva, não suportara esperar
Nos braços do moço mais rico
Fora se entregar...
As noites se tornaram mais densas ao meu redor
E me esqueci da inocência do sorriso
Entreguei-me ao silêncio de uma garrafa de cachaça
E perdia minhas tardes vagando entre as fileiras de
prédios
Onde se aninhavam as vespas desse mundo desconhecido
Olhava meu reflexo nas poças d’água e via
Nos meus olhos o vazio dos sonhos perdidos
Entreguei-me ao trabalho sem sentido
E à embriaguês nas tardes barulhentas
Pois um homem sem seus sonhos
É como uma ave voadora desprovida de suas asas
Ou o jumento bravo impedido de correr nos campos
Pela ausência de suas patas!
Numa tarde, depois do trabalho, em que o Sol
Se escondera entre nuvens negras de poluição
Eu me vi perdido no reflexo vazio dos olhos de
Um homem lançado pela embriaguês e a desilusão
Nas beiradas de uma pútrida calçada.
E então compreendi num minuto que não
Era aquilo que eu desejara
Que se perder Helena fora terrível
Perder a mim mesmo era o fim absoluto!
E decidi me encontrar naquela tarde
Apesar de todos os caminhos tortuosos
Lancei longe a garrafa de cachaça
E com ela a desorientação de quem
Se perdeu tentando se encontrar...
Voltei a estudar e ao cabo de dois anos
Estava diante de uma lista onde figurava meu nome
Como o mais novo calouro no curso almejado de Direito...
Apesar das dificuldades e de estar sem Helena
Ainda me animavam seus olhinhos felizes de criança
Como um objeto amado guardado na caixa das
Boas memórias...
Os anos passaram e minha existência se firmara
Mas a pequena memória estava ali
Pedindo ao coração que agora
Livre da angústia inicial eu buscasse
O caminho de casa para ver os campos e os dias
Ensolarados da minha feliz infância...
Ao ser recebido no reino paterno
O amor e a alegria outrora perdidos
Inundaram minha face nos beijos
Felizes de minha velha mãe
E entre as lágrimas de alegria ouvi
De mamãe as palavras que me fizeram
Ainda mais chorar
“Meu filho, Helena ainda te espera
Ela nunca quis se casar e se um dia noiva ficou
Foi por pressão daquele seu rigoroso Pai
Mas o Homem duro foi levado numa tarde
E Helena largou dele os desejos para em ti
Meu filho depositar seus sonhos e seu amor”
Quedei confuso e lhe falei da ausência das cartas...
“Foi vergonha de ter aceitado a imposição do Pai
Hoje a moça tão bela é professora na escola da roça
E cuida zelosa da fazenda familiar, olhando todo dia a
estrada
Como se dela esperasse seu sonhos retornar”
A estrada estava cheia de crianças
Indo felizes para seus lares
Eu via os campos e as reses
Como num outro tempo
Numa outra vida
O dia estava límpido e belo
Com aves cruzando os céus
E a vida pujante de energia
Mostrava em cada detalhe
A fulgurante certeza de que
Minha vida era a beleza
Escondida nas penhas do vale
Que salta os abismos das rochas
Para mais bela brilhar!
Eu vi a pequena escola e no primeiro lance de escadas
Estava Helena mirando a
familiar estrada
Percebi o assombro de Helena
Ao ver-me chegando sozinho
E fui chegando com os olhos molhados
Das lágrimas de muitos anos
Parei trêmulo no limiar da escada
Pensando nas tantas palavras de tantos anos
Mas não havia o que dizer
Pois o silêncio era como o conteúdo
De toda uma biblioteca de histórias
E eu a vi com os mesmos belos olhos
Coalhados de lágrimas, envoltos no mesmo silêncio...
-Helena!
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