Eu via...
...caminhando eu
ouço o farfalhar nas árvores. Está escuro, escuro demais para ver algo além das
sombras ao meu redor. O frio da noite me atinge no rosto como o fio de centenas
de navalhas. É o abismo sob meus pés que me preocupa. Sedutor como a vida, como
a morte num dia de dor.
Por que eu olhei
fundo nos olhos de quem me falava? Eu não deveria ver além da máscara, além da
monstruosa e bela imagem que me protegia da verdade. A verdade que não
faz sentido, a verdade que não tem o poder divino de libertar. A verdade cujo
hálito podre apenas indica o caminho árido da total desesperança, a face
inflexiva do desespero!
E ainda assim eu caminho. Mas andando em nada eu me
distancio daquele objeto terrível, da face inebriante da verdade. É como uma
doença contagiosa e incurável, não há como fugir dela, pois ela está em você,
dentro de você. Te consumindo de dentro para fora, deixando na sua face
suplicante a cor pálida da morte que se aproxima. A verdade dos olhos alheios
te consome como uma febre na madrugada, como a febre corroendo as entranhas de
um solitário indigente. Um daqueles que nem um cão sarnento tem para dividir o
espaço fétido de um beco ou a luz opaca sob as sombras e uma marquise.
Eu perdi a fé e sobrevivi. Um pouco mais
pessimista, um pouco menos feliz, mas sobrevivi. Agora perco a pequena certeza
no próximo e pouco restou. Eu olho ao redor, tudo conspira em tons de cinza e
manchas escuras nas linhas limítrofes entre a sanidade e a loucura.
No olhar do outro eu vi a ilusão com que todos nos
cercamos e a vergonha de saber que todos estão ali ocultos por aquela ficção de
personalidade. Eu olhei fundo naquela fria face, e vi, além dos olhos
arrogantes. Eu vi o ego perpassado de insanas certezas, a proteção louca dos
bens que não se possui. Vi avareza, vi mentira, vi dor e vi uma carcaça
lentamente se decompondo no frio da noite e no terrível calor do sol do
meio-dia.
Eu vi e não tive forças para denunciar, tive pena,
tive medo. Mas o ser da máscara, o iludido por si mesmo, arremessou sobre mim
uma montanha de argumentos, de certezas, de defesas do indefensável. Mas eu não
podia discutir, a minha força se esvaiu junto com todos os meus argumentos. Eu
não tive coragem de dizer uma palavra, e sabia que se dissesse eu apenas
estaria sendo o metal inculto que retine, o coaxar na noite para o que não
domina a língua, equações para o inculto.
É tudo tão insano, tão ridículo. Um drama encenado
nos palcos da comédia com humor negro e indefectível naquilo que ele tem de
mais insano, demoníaco, malévolo. E o ser por trás da máscara é o artífice
desse monstro que a ele mesmo consome, o demiurgo de sua própria desgraça.
Eu caminho na noite fria, cabisbaixo, triste e sem
esperança. Por que naquele olhar distante, egoísta, cego...eu vi algo muito
mais terrível do que tudo o que eu poderia tentar dizer...
Eu vi, ser distante e indiferente, a sombra
primitiva que se oculta na máscara da humanidade e eu vi, meu irmão...
Eu vi a mim mesmo e o mundo não foi mais suficiente
para conter tantas lágrimas, tanta dor e tanto desespero.
Eu preciso descansar, eu queria esquecer...eu
queria que a noite sem fim se tornasse ainda mais negra, que ela engolfasse de
vez as árvores, as rochas, as criaturas loucas que se escondem atrás das
máscaras, o mundo todo...e a mim...
Nessa imensa treva sem fim...
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