sábado, 27 de julho de 2013

Carta do Desespero


Eu via...

...caminhando eu ouço o farfalhar nas árvores. Está escuro, escuro demais para ver algo além das sombras ao meu redor. O frio da noite me atinge no rosto como o fio de centenas de navalhas. É o abismo sob meus pés que me preocupa. Sedutor como a vida, como a morte num dia de dor.

Por que eu olhei fundo nos olhos de quem me falava? Eu não deveria ver além da máscara, além da monstruosa e bela imagem que me protegia da verdade. A verdade que não faz sentido, a verdade que não tem o poder divino de libertar. A verdade cujo hálito podre apenas indica o caminho árido da total desesperança, a face inflexiva do desespero!

E ainda assim eu caminho. Mas andando em nada eu me distancio daquele objeto terrível, da face inebriante da verdade. É como uma doença contagiosa e incurável, não há como fugir dela, pois ela está em você, dentro de você. Te consumindo de dentro para fora, deixando na sua face suplicante a cor pálida da morte que se aproxima. A verdade dos olhos alheios te consome como uma febre na madrugada, como a febre corroendo as entranhas de um solitário indigente. Um daqueles que nem um cão sarnento tem para dividir o espaço fétido de um beco ou a luz opaca sob as sombras e uma marquise.

Eu perdi a fé e sobrevivi. Um pouco mais pessimista, um pouco menos feliz, mas sobrevivi. Agora perco a pequena certeza no próximo e pouco restou. Eu olho ao redor, tudo conspira em tons de cinza e manchas escuras nas linhas limítrofes entre a sanidade e a loucura. 

No olhar do outro eu vi a ilusão com que todos nos cercamos e a vergonha de saber que todos estão ali ocultos por aquela ficção de personalidade. Eu olhei fundo naquela fria face, e vi, além dos olhos arrogantes. Eu vi o ego perpassado de insanas certezas, a proteção louca dos bens que não se possui. Vi avareza, vi mentira, vi dor e vi uma carcaça lentamente se decompondo no frio da noite e no terrível calor do sol do meio-dia.

Eu vi e não tive forças para denunciar, tive pena, tive medo. Mas o ser da máscara, o iludido por si mesmo, arremessou sobre mim uma montanha de argumentos, de certezas, de defesas do indefensável. Mas eu não podia discutir, a minha força se esvaiu junto com todos os meus argumentos. Eu não tive coragem de dizer uma palavra, e sabia que se dissesse eu apenas estaria sendo o metal inculto que retine, o coaxar na noite para o que não domina a língua, equações para o inculto.

É tudo tão insano, tão ridículo. Um drama encenado nos palcos da comédia com humor negro e indefectível naquilo que ele tem de mais insano, demoníaco, malévolo. E o ser por trás da máscara é o artífice desse monstro que a ele mesmo consome, o demiurgo de sua própria desgraça.

Eu caminho na noite fria, cabisbaixo, triste e sem esperança. Por que naquele olhar distante, egoísta, cego...eu vi algo muito mais terrível do que tudo o que eu poderia tentar dizer...

Eu vi, ser distante e indiferente, a sombra primitiva que se oculta na máscara da humanidade e eu vi, meu irmão...

Eu vi a mim mesmo e o mundo não foi mais suficiente para conter tantas lágrimas, tanta dor e tanto desespero.

Eu preciso descansar, eu queria esquecer...eu queria que a noite sem fim se tornasse ainda mais negra, que ela engolfasse de vez as árvores, as rochas, as criaturas loucas que se escondem atrás das máscaras, o mundo todo...e a mim...

Nessa imensa treva sem fim...

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