sábado, 6 de julho de 2013

No espaço.

... Apenas a impessoalidade do espaço "vazio". Eu procuro algum padrão conhecido nos astros lá "fora", mas nada do que vejo aciona meu treinamento em reconhecimento visual. O monitor mostra apenas dados desencontrados, números aleatórios e sem sentido.

Estou perdido. Sozinho e perdido nas profundezas cósmicas. O sistema de navegação da nave foi avariado por algum influxo energético desconhecido. Se eu pudesse descobrir o momento exato dessa avaria... Não, seria inútil. Isso ocorreu não menos que 500 anos atrás. Anos do meu antigo ciclo terrestre. Desde então nossa nave-lar tem estado à deriva, desviando-se cada vez mais do destino estabelecido.

Por que eu continuo usando o pronome no plural? Eu sou o único tripulante, pelo menos o único vivo. Todos os homens e mulheres, incluindo minha amada Helena, que partilharam desse sonho de criar uma colônia em algum dos planetas do "cinturão da vida de Laford", são múmias agora.

Nossos engenheiros acharam que uma viagem de três mil anos teria mais chances de ser bem sucedida se todos os sistemas fossem automatizados e se todos os seres humanos estivem em câmaras de suspensão biológica. Os três mil anos seriam, diziam eles, apenas como uma longa noite. Depois disso todos acordaríamos numa nova Terra.

A nave viajou por imensidões inimagináveis em velocidades próximas à da luz antes de entrar numa zona de instabilidade energética desconhecida. Um ser humano dotado de instinto talvez pudesse escolher uma ação que salvasse a nave e seus tripulantes, mas a IA que controla esse imenso mausoléu não podia fazer nada que extrapolasse os limites da lógica, nada que fosse desesperado ou imbecil o suficiente para nos salvar.

Os sistemas de suporte de vida foram radicalmente descalibrados. As pessoas não acordaram  nem morreram imediatamente, mas foram envelhecendo conforme os anos foram passando. Cada uma das câmaras sofreu algum tipo de mau funcionamento, pois nossos engenheiros as fizeram autônomas, considerando algum tipo de acidente. Dentre todas as dez mil, a minha foi a única que manteve o sistema de suporte com o mínimo de eficiência para me manter vivo. Mesmo assim eu envelheci pelo menos 20 anos nesses séculos.

Quando acordei, imediatamente percebi que algo dera errado, não estávamos em um novo planeta e não havia equipes de manutenção andando pela nave. Então o horror se mostrou, ao abrir as câmaras encontrei meus companheiros mortos. Alguns eram múmias secas, outros estavam mortos há poucos dias.

Quando abri a câmara de Helena uma pequena esperança se formou em meu coração, mas ao tocá-la ela se desfez em minhas mãos...

Eu quase enlouqueci diante do terror, pensei muitas vezes em acabar com a vida e me juntar ao meu povo na sua eterna decrepitude.

Mas então, conforme os meses foram passando, fui recuperando a sanidade e a esperança. Nos bancos genéticos da nave estão as informações necessárias para cumprir nossa missão, mesmo que todos nós estejamos mortos quando isso acontecer.

                                                                                                            ***
Espero viver tempo suficiente para levar meus planos a um bom fim. Em algum lugar por aí existe um planeta com condições de suportar vida, eu só preciso encontrá-lo. Então todos nós pisaremos o solo desse novo mundo. Eu estarei lá, jovem novamente, e Helena estará ao meu lado, viva, bela e com seus olhos sonhadores.

Eu tenho passado cada vez mais tempo no laboratório cuidando com carinho dos embriões, logo eles estarão maduros para a segunda fase.

Eu falo todos os dias com Helena, a pequena e informe Helena. Falo sobre o futuro, sobre um novo mundo, sobre nossos sonhos. Sobre os filhos que teremos... E meu clone está do seu lado.

Se houver mais algum perigo desconhecido por aí...bem, desta vez haverá um ser humano no comando.

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