Então, sentir o fluxo da vida, indo e voltando. Meu coração
acelerado, e os olhos que não veem ninguém. Eu suspiro e sinto. Amor que não
conhece quem não vê a vida inteira. E perdido como num relance, como se assim
tudo fosse, verdadeiro panteísmo. Não há pensar na entrega, nem pesar, só o
devir, ver antes com a sensação.
Ela embrulha o pão com carinho, como uma ama à criança. As mãos, finas, como
canas na lagoa. Eu penso sempre nas mãos que não veem cor, mas que tem a cor
sempre, a que me alegra, a que desejo.
Então vem de dentro, assim como um explodir sem explicar, quando se funde ver e
sentir e o mundo vira uma massa incerta. E o tremor passa afligindo, tão
bom...tão...
A mão trêmula, uma faixa clara e a vida pinga. Olho longamente a mão e a luva
incerta, a luva que marca e é a marca, como na parede em frente. E poderia ser
no teto, a pia. É uma base. Bases são amargas, deve ser, não sei, e há gente
que gosta de amargor. Deve ser a luxuria que faz isto, não a mente, nem o gosto
mesmo, mas é um satisfazer o que não pode ser satisfeito. Porque mal aquilo
passa, assim que se refaz o corpo, renasce assim deste modo o novo desejo. O
desejo sempre novo. Ele que busca a mão na padaria, daquela cujos olhos não
conheço, mas imagino a mão aqui.
Então é deixar o indício na água, verter no esgoto a vida, como milhões
descendo. La petit Mort! Sim, assim explica que a vida desce e é morte. Vida
potencial, vida sem ao menos a imagem do ovo, porque a caverna não existe e o
calor é um calor próprio, artificial.
Já me fizeram sentir culpa, já me disseram que Cristo não fazia assim. Mas eu li
que Ele era homem "sujeito" como nós. Se homem, paixão. É magnetismo
e força. Não há quem se furte, mas eu, para mim, vivo furtivo. A pequena morte
me levou a força vital. Não se faz isso por si, se faz, mas a carne exige outra
carne. Mas que carne eu quero? Eu quero a mão sem olhos, a mão que imagino ir e
vir.
E ele está ali de novo, o que me consome, então de novo. E penso, mas penso com
dedicação na mão sem olhos...
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