Um impulso extremo rumo a uma racionalidade árida implica
num apagamento ou, pelo menos, numa "leitura" "ex" do grupo
de respostas hormonais a que chamamos "emoções".
Elas ainda estão lá e doem como sempre, mas eu olho para elas de um ponto
afastado, eu contemplo suas múltiplas nuances, suas numerosas irregularidades e
a imagem perfeita de suas ilusões.
Mas ainda assim as mantenho a uma mão de distância, imergir num torvelinho
cerebral pode levar à desumanização e tornar o homem uma figura fria e arrogante.
E ainda mais, totalmente alheia e desesperançada.
Eu olho o céu e ele me mostra chuva ou tempo bom, eu calculo, a partir disso,
meus passos e minhas ações, mas deixo de acreditar nas explicações teleológicas
que tanto tempo mantiveram a humanidade num trilho de esperança e aspirações. A
vida esvazia-se de propósitos e passa a ser apenas um encadeamento aleatório de
eventos inter-relacionados, mas sem uma direção racional.
Se você não projeta no mundo suas aspirações e se não colhe dele a energia que
aplicada à sua vida faz dela um evento com sentido e significado, como é que
você poderá continuar a singrar essas águas escuras do oceano existência?
Todos nós queremos uma vida com propósitos, queremos aspirações, queremos que
algo do fundo do infinito direcione nossas vidas e nos diga que temos uma
missão neste mundo. Queremos ser únicos e tão importantes que o mundo não
continue existindo senão por meio da nossa vida. Para isso juntamos os pequenos
retalhos dos eventos aleatórios, como um artista que cata conchas da praia, e
criamos uma história, com coincidências fortes demais para serem apenas
coincidências.
Temos horror a simples vida biológica com sua finalidade de apenas continuar
existindo e nada mais. Precisamos do mito, não que ele altere em algum ponto o
fato de existirmos, mas para darmos uma satisfação à nossa tendência de ver
padrões lógicos no mundo e nossa necessidade interna de termos uma missão.
Aqui eu me coloco numa encruzilhada intelectual: destruir o mito e continuar
criando direções ou manter o mito e usar sua energia para um busca desenfreada
que me leve ao fim da vida sempre com os olhos fixos num horizonte de
imaginação e cores remotas do coração ancestral, da época em que ainda
caminhávamos temerosos pelas savanas antigas.
Talvez o mito ainda seja a única salvação.
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