domingo, 24 de fevereiro de 2013

O mito da vida


Um impulso extremo rumo a uma racionalidade árida implica num apagamento ou, pelo menos, numa "leitura" "ex" do grupo de respostas hormonais a que chamamos "emoções".

Elas ainda estão lá e doem como sempre, mas eu olho para elas de um ponto afastado, eu contemplo suas múltiplas nuances, suas numerosas irregularidades e a imagem perfeita de suas ilusões. 

Mas ainda assim as mantenho a uma mão de distância, imergir num torvelinho cerebral pode levar à desumanização e tornar o homem uma figura fria e arrogante. E ainda mais, totalmente alheia e desesperançada. 

Eu olho o céu e ele me mostra chuva ou tempo bom, eu calculo, a partir disso, meus passos e minhas ações, mas deixo de acreditar nas explicações teleológicas que tanto tempo mantiveram a humanidade num trilho de esperança e aspirações. A vida esvazia-se de propósitos e passa a ser apenas um encadeamento aleatório de eventos inter-relacionados, mas sem uma direção racional.

Se você não projeta no mundo suas aspirações e se não colhe dele a energia que aplicada à sua vida faz dela um evento com sentido e significado, como é que você poderá continuar a singrar essas águas escuras do oceano existência? 

Todos nós queremos uma vida com propósitos, queremos aspirações, queremos que algo do fundo do infinito direcione nossas vidas e nos diga que temos uma missão neste mundo. Queremos ser únicos e tão importantes que o mundo não continue existindo senão por meio da nossa vida. Para isso juntamos os pequenos retalhos dos eventos aleatórios, como um artista que cata conchas da praia, e criamos uma história, com coincidências fortes demais para serem apenas coincidências.

Temos horror a simples vida biológica com sua finalidade de apenas continuar existindo e nada mais. Precisamos do mito, não que ele altere em algum ponto o fato de existirmos, mas para darmos uma satisfação à nossa tendência de ver padrões lógicos no mundo e nossa necessidade interna de termos uma missão.

Aqui eu me coloco numa encruzilhada intelectual: destruir o mito e continuar criando direções ou manter o mito e usar sua energia para um busca desenfreada que me leve ao fim da vida sempre com os olhos fixos num horizonte de imaginação e cores remotas do coração ancestral, da época em que ainda caminhávamos temerosos pelas savanas antigas.

Talvez o mito ainda seja a única salvação.

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