domingo, 2 de setembro de 2012

O Samaritano do Sertão.


Na beira da estrada de Lua das Covas
Indo sem pressa tocando o muar
Lotado de peças de couro e de vinho

Cantava eu u'a cantiga do Mar
E da moça jeitosa com lábios de mel
Cujos braços suaves sonhava estar
Ia sonhando eu chegar e nos
Belos campos animal meu soltar,
E vinha de fronte um real Sacerdote
Que penso eu bispo pensava estar
C'as ventas nas nuvens e os olhos no ar
Parecia uma estátua de pedra ou pau
E o Santo homem ao ver minha pessoa
Grunhiu três credos e duas 'marias
E passou tão ligeiro que pensei eu
Era o Diabo que vinha lhe perseguir
E quando o vigário se pôs ao distante
Eis que vejo vindo um belo semblante
Do edil João da Antas a quase chegar
E quando me pus a saudá-lo c'a mão
Ele passou sem dar-me sequer um olhar
E pasmado fiquei trocando a visada
Ora de uma lado e ora d'outro
Pensando que vinha bem perto o capiroto!
Mas aprumei as orelhas na estrada
E pensei ter ouvido um lamento
Pasmei pensando "Animal ou vento",
E passei tod'as rezas que soia lembrar
Então alinhando melhor o ouvido
Entendi que era de bicho homem o gemido
E pus-me bem perto do dito a olhar
E vi do lado da estrada um Homem
Do jeito e da forma do índios da Sé
Que por fama de todos ladrões eram
E pensei em passar como o Edil e o Vigário
Que eram eles que tinham que caridade fazer
Mas passando e vendo o bugre ferido
Me deu num sei o quê de tristeza e dor
E atinei p'ra verdade das coisas
Que um homem é homem se faz o que é certo
Se tem honra e ajuda o próximo
Valeu ele mais que Mil desses outros
Que tem nome e roupa e belos dizeres
Mas deixam um pobre sangrar na estrada
E tentei carregar o ferido nas costas
Mas logo percebi que não poderia
Então esvaziei do Burro as cargas
E logrei por o índio nos lombos
Do meu amigo muar companheiro
E deixar as minhas cargas sob o luar
E fomos os três distância correr
Chegando bem cedo deixei-o
Para ser tratado e poder recuperar
A carga deixada na beira da'strada
E voltando mais tarde encontrei
Meu índio bem vivo não morto
E na porta encostado O Edil e bispo.
A com olhos de fogo me encarar
Fitei-os sem medo e passei o limiar
Paguei o devido e pus-me a andar
Deixei meu amigo Uiracuru
Que era seu nome na Aldeia da Sé
E deixando o homem na tenda maior
Recebi grande abraço do Pajé
Aratança que do homem pai era
E cercado dos mirins foi dia de festa
Voltei na estrada suntando comigo
Que o prêmio maior era o próprio feito
E que nome ou título é só isso
O pó da estrada na sola da bota
De um manco e cego louco vagante
Na beira da estrada de Lua das Covas.

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