Vou quebrar o protocolo do Blog - a ideia era ser apenas de poesia- e apresentar um conto de ficção científica curto, na verdade uma ideia em gestação. A razão é que quero publicá-lo e não penso em criar mais um blog (já são três). Da sua forma esse conto tem muita poesia...
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Cem mil anos se
foram.
Gaia, a imensa
nave-mundo aproxima-se do planeta Bios, quarto a partir da estrela NXR-29 Beta
Arantes. Lentamente Gaia toma seu lugar em órbita do planeta azul-esverdeado.
As luas Giraz e Sinda
são visíveis com seus tons
esverdeados.
Há vinte e cinco anos as
sondas-arautos habitam a crosta de Bios. Os engenheiros de Gaia conhecem cada
detalhe da composição química da atmosfera, das rochas e das abundantes águas
de Bios. Robos-geógrafos mapearam os três continentes, rovers vasculharam as
áreas planas, drones sobrevoaram as imensas florestas verde azuladas habitadas
por estranhas formas de vida que nunca descem ao solo e por criaturas quase
reconhecíveis para seres humanos devido aos caprichos da convergência
evolucionária.
Bios é coberto por uma imensa
floresta tropical, com áreas de savana e poucas regiões desertificadas.
Semelhante à Terra, apenas um dos polos de Bios fica numa plataforma
continental.
Não foram encontrados sinais de processos
de cognição e inteligência acima do Fator 5 da escala Poirot. Nenhuma criatura
sapiens.
O imenso banco de dados de Gaia
contem a informação genética de quase toda a vida da terra e de outros três
mundos colonizados por humanos. Muitas das formas de vida descritas foram
projetadas pelo homem e algumas centenas aguardam nos laboratórios de Gaia o momento
de respirar o ar puro de Bios. Seres necessários à sobrevivência humana, mas
cuidadosamente projetados para não desestabilizar muito o ecossistema local.
Nenhum humano a bordo de Gaia nasceu
na Terra, todos eles são filhos do espaço, nascidos durante a Grande
Peregrinação da raça humana em busca de novos mundos. Cada nova colônia, depois
de estabelecida, começa a preparar a próxima nave-mundo que trilhará os abismos
cósmicos.
***
Cidades iluminadas se estendem sobre
a crosta de Bios enquanto as duas luas fazem seu cruzeiro pelo céu noturno.
Gaia aguarda a ordem de partir, nenhum humano anda pelos seus corredores
imensos, todos eles descansam nos seus bancos de dados. O primeiro humano verá
a luz dez anos depois de iniciada a viagem. Gerações se passarão antes que o
próximo mundo habitável seja alcançado.
As palavras do Livro Sagrado soam nos
alto-falantes da praça central de Úmbria, a capital de Bios. O Ancião-orador,
sobre um tablado hexagonal, lê com lágrimas nos olhos as palavras do Profeta:
"Ouçam, Filhos do Homem, o apelo
que a vida vos faz desde as profundezas cósmicas. Do brilho fugaz de uma
estrela, um mundo vos chama. Deitai sobre o céu noturno e acordareis no Paraíso
de um novo mundo. Ide e tomai por herança o Reino Celeste que vos implora a
presença. Construí vossas arcas celestes, vossas Gaias, para viverdes muito
tempo na solidão do berço. E logo que vosso pé marque a poeira de um novo
mundo, preparai a próxima geração para continuar a vossa Peregrinação. Vosso
destino está naquilo que vossas mentes não podem alcançar, onde vosso sonho se
aninha nas tramas do Tudo. Não terminareis de trilhar todas as estrelas antes
que vossos veneráveis ancestrais encontrem nas linhas do Universo sua morada
final, nesse dia sereis um com o Todo. Ide, crescei e vos multipliqueis. O solo
em que pisardes será sagrado para vós, mas não tanto quanto vossa missão. A
mudança, meus filhos, é a mãe da sobrevivência. Mudai e se adaptai. Dos códigos
de vida guardados em vossas arcas tirareis e acrescentareis novos tesouros. Não
aportareis em terras de seres conscientes, mas, se possível, deixai para vossos
irmãos algum dos dons que recebestes. Ide, cumpri vossa missão de levar Vida à
matéria bruta, enquanto não sois um com ela".
***
Cem mil anos se passaram e a imensa
nave-mundo Gaia se aproxima de uma nova casa...
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