
Pelas horas mortas eu tentava
Encontrar o sono perdido pelas muitas apreensões
De uma vida entregue ao lento penar,
O coração ferido, um choro contido na garganta
E lágrimas secas no olhar.
E minha vista já cansada se turvou,
Era visão ou eu sonhava?
Essa imagem estranha da madrugada
Uma multidão, inumerável, balindo se arrastava
Ovelhas brancas, puras como um deserto de neves
Eternas perdidas no cume dos Andes.
Caminhavam em passo lento e seguro
Um mar branco de tranquilidade
E um burburinho perturbou aquela alva procissão,
Que unida sempre à frente marchava,
Como um batalhão de anjos
Em ordem unida pelas nuvens amorfas,
Um ser negro, brutal como a noite de inverno
No auge dessa estação.
Voz desesperada de gralha estrangulada,
“É um lobo que tenta impedir a marcha sagrada” pensei,
“Ser maldito, origem da tentação!”.
Mas que consternação!
O ser negro dos olhos vermelhos injetados
Abortivo da criação
Era, ele mesmo, uma ovelha,
Filha da noite, escura como o breu.
Vinha em direção contrária tentando impedir a marcha,
Gritava, gemia, implorava
Mas seus esforços deram em nada,
E recebeu o pagamento pela maldade,
Mordida, e toda ela escoiceada
Até o sangue brotar e vir
Tingir aquele pelo negro do mal.
Mesmo ferida ela continuava
Tentando com todas as forças convencer
As nobres ovelhas brancas a voltar
Pelo caminho que antes trilharam.
E balindo foi-se pela multidão até que não pude mais vê-la
Avançando sempre pela maré de lã alva.
Indignado, eu decidi ir atrás dela
Impedir-lhe a ação malévola
Nesse instante ouvi às minhas costas
Desesperados lamentos e gritos indescritíveis
Virei-me e assombrado vi um abismo infernal
Onde a torrente branca ia lançar-se
Do penhasco lambiam línguas de fogo crepitante
E um odor acre enchia o ar com o cheiro
Inebriante de enxofre e carne queimada
E as ovelhas continuavam, imbecilizadas, a lançar-se
Rumo ao destino cruel
E não percebiam até que as chamas as tragavam
No seu burning eterno.
Corri para o meio delas tentando frear
Aquela marcha de morte insensata
Erguia meus braços desesperado
Gritava, segurava e a todo o custo
Tentava impedir o macabro banquete
E logo, na tempestade do momento,
Estavam as ovelhas a me morder e ferir
A mim que as estava tentando salvar!
A mim que por elas arriscava-me a cair no abismo.
O sangue me descia pela testa,
E meu corpo estava todo ferido
No funesto ritual que ensejava
O fim de todo ser vivo.
Levantei a mão para limpar
O liquido que me turvava a visão,
Ao contemplar, não minha mão,
Mas a negra pata de uma ovelha!
Nenhum comentário:
Postar um comentário