sábado, 18 de junho de 2011

A Ovelha negra


Pelas horas mortas eu tentava

Encontrar o sono perdido pelas muitas apreensões

De uma vida entregue ao lento penar,

O coração ferido, um choro contido na garganta

E lágrimas secas no olhar.

 

E minha vista já cansada se turvou,

Era visão ou eu sonhava?

Essa imagem estranha da madrugada

Uma multidão, inumerável, balindo se arrastava

Ovelhas brancas, puras como um deserto de neves

Eternas perdidas no cume dos Andes.

Caminhavam em passo lento e seguro

Um mar branco de tranquilidade

 

E um burburinho perturbou aquela alva procissão,

Que unida sempre à frente marchava,

Como um batalhão de anjos

Em ordem unida pelas nuvens amorfas,

Um ser negro, brutal como a noite de inverno

No auge dessa estação.

Voz desesperada de gralha estrangulada,

“É um lobo que tenta impedir a marcha sagrada” pensei,

“Ser maldito, origem da tentação!”.

 

Mas que consternação!

O ser negro dos olhos vermelhos injetados

Abortivo da criação

Era, ele mesmo, uma ovelha,

Filha da noite, escura como o breu.

 

Vinha em direção contrária tentando impedir a marcha,

Gritava, gemia, implorava

Mas seus esforços deram em nada,

E recebeu o pagamento pela maldade,

Mordida, e toda ela escoiceada

Até o sangue brotar e vir

Tingir aquele pelo negro do mal.

 

Mesmo ferida ela continuava

Tentando com todas as forças convencer

As nobres ovelhas brancas a voltar

Pelo caminho que antes trilharam.

E balindo foi-se pela multidão até que não pude mais vê-la

Avançando sempre pela maré de lã alva.

 

Indignado, eu decidi ir atrás dela

Impedir-lhe a ação malévola

Nesse instante ouvi às minhas costas

Desesperados lamentos e gritos indescritíveis

 

Virei-me e assombrado vi um abismo infernal

Onde a torrente branca ia lançar-se

Do penhasco lambiam línguas de fogo crepitante

E um odor acre enchia o ar com o cheiro

Inebriante de enxofre e carne queimada

 

E as ovelhas continuavam, imbecilizadas, a lançar-se

Rumo ao destino cruel

E não percebiam até que as chamas as tragavam

No seu burning eterno.

 

Corri para o meio delas tentando frear

Aquela marcha de morte insensata

Erguia meus braços desesperado

Gritava, segurava e a todo o custo

Tentava impedir o macabro banquete

 

E logo, na tempestade do momento,

Estavam as ovelhas a me morder e ferir

A mim que as estava tentando salvar!

A mim que por elas arriscava-me a cair no abismo.

 

O sangue me descia pela testa,

E meu corpo estava todo ferido

No funesto ritual que ensejava

O fim de todo ser vivo.

Levantei a mão para limpar

O liquido que me turvava a visão,

E gritei aterrorizado

Ao contemplar, não minha mão,

Mas a negra pata de uma ovelha!


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