domingo, 10 de março de 2019

À sombra de uma árvore...


À sombra de uma árvore
Mais velha que as fundações do mundo
Eu sentei, mirando a enseada
E a linha distante dos náufragos da vida
A tarde enrubescia o céu já cansado
Enquanto o vento adejava sobre as águas
Criando nas ondas umas tantas e indecifráveis
Mensagens...

E sonhei ao sussurrar da sua antiga voz sedutora
Que percorria meus cabelos, insinuando-se pela minha pele
Correndo pelo meu corpo
Perdendo-se nos meus anelos

Eu era pequeno como a ambição de um pobre deste mundo
Aninhado nos panos sujos de uma terra pestilenta
Que esquece seus filhos, e deixa-os criarem raízes
Nas sarjetas.

O dia frio de um sol intimidado
Acolhia meus quase surdos gemidos
O céu era cinza, era velho, o céu
Cobria-se de nuvens que anunciavam
Em breve tempestade

Senhor  que aos cães deu minha vida
Que outrora a esperança de uma mãe aninhava
Em seu ventre
Diga-me agora passado o tempo
Se há alento para um aborto em própria vida?
A beleza encontra a ternura, e o amor
Caminha entre os vivos
Fazendo vibrar a certeza dos mortos
Tudo é finito!

A vida, disse a voz paciente
É deriva, é barco perdido no mar
É uma pista de algo impossível
A vida é a chance que temos todos de amar
É percorrer uma estrada imprevista
Beber de águas sujas de onde brotam outras limpas e cristalinas
O mistério ninguém entenderá
O sentido escapa, a certeza é mentirosa
A vida toda buscamos o que no início
Da jornada tínhamos nas mãos e não sabíamos...

E ao som dessas palavras eu me ergui
Sobre as pernas infantes caminhei
Dei dois passos para além da infância
E depois de uma pequena caminhada
A adolescência ficou para trás
Corri para a vida adulta
E amei a vida, as pessoas, o porvir
Quando ainda achava que tinha muito pela frente
Ela surgiu, a que nos tira o que não temos
E estendeu-me sua mão descarnada
Era o fim
Não havia mais nada
Mas seu toque frio era um toque de mãe
Que recebe o filho há muito perdido
E dormi

Amanhecendo diante da enseada
Sentindo o mesmo agitar leve do vento
E a sombra que agora a tudo englobava
Entendi o sonho, e a vida
Somos tudo, somos nada
Somos a cor do dia surgindo devagar
Nas asas da madrugada
E o ocaso do sol à tarde
Naquela mesma linha
No horizonte, avermelhada...


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