sábado, 15 de setembro de 2018

POLARISMO POLÍTICO E O APOCALIPSE

         
Você não sente essas eleições com um certo "gostinho de apocalipse"?
Mais do que uma ideia, a destruição iminente de todas as coisas, no discurso, tem como alvo principal nossos sentimentos. Medo e esperança.
A coisa tem lá alguma curiosidade. Quando escrevo "apocalipse" alguém pode pensar nas imagens horrendas de monstros surgindo da terra, bestas do mar, rochas fumegantes descendo dos céus, mortos caminhando pelas ruas. Um tanto vem da leitura do livro bíblico, docemente iluminado pelos artistas medievais, outro tanto pelas obras de ficção que exploram os fins da sociedade.

É uma associação curiosa, mas tem certa razão de ser. "Apocalipse" é um termo grego que significa algo como "retirar o véu", ou na minha versão pessoal, "afastar as cortinas". Apocalipse é um gênero literário que surgiu com os judeus no o fim do império persa (uns 400 anos antes de Cristo) e teve seu pleno desenvolvimento de 200 a.C a 100 d.C. São muitíssimas as obras apocalípticas, e algumas delas influenciaram diretamente os escritores bíblicos. Na Bíblia temos dois livros desse gênero, Daniel e Apocalipse, com algumas outras manifestações em outros livros proféticos. Fora da Bíblia são mais conhecidos os Livros de Enoque e O Livro de Jubileus, com alguma manifestações cristãs posteriores.
Embora a gente entenda os apocalipses como obras que falam de julgamento e do fim do mundo, o que não deixa de ser correto, o seu foco principal não é o medo, mas a esperança. Apocalipses são obras de fundo político, além de religiosos (o que era indissociável naquelas épocas) elas falam dos impérios que dominavam o mundo quando foram escritas, e os associavam a um império definitivo das trevas, que invariavelmente entraria em conflito com o império da Luz. Uma seita judaica, os Essênios, levou isso tão a sério que criou uma comunidade no deserto para preparar os "filhos da luz" para o derradeiro conflito contra "os filhos das trevas". Essa dualidade não é por acaso. As ideias apocalípticas foram influenciadas pela religião persa, o Zoroastrismo, que acreditava em dois princípios em conflito, e numa batalha definitiva no fim dos tempos. Você certamente já ouviu falar em "maniqueísmo". Os maniqueus eram uma seita cristã sincrética com elementos do zoroastrismo "recuperados", ou seja, levavam a ideia de dualismo bem mais longe.
Embora leiamos os apocalipses como descrições de horrores inimagináveis, elas falam, na verdade, de coisas bem reais para seus escritores. Todos aqueles atributos são simbólicos, porque as pessoas não podiam se manifestar com liberdade.
Eles tinham uma coisa em mente, e não era só o medo, mas dar uma explicação para os eventos incoerentes do mundo, como "injustos" dominando " justos", dar uma sensação de finalidade (tudo ocorre por uma razão) e no meio de tantas contradições criar esperança de dias melhores ao mesmo tempo em que convocava as pessoas a agirem "com justiça e fé" nesse tempo de provações.
O interessante é que um dos temas mais valiosos dos apocalipses é o messianismo e a figura dum libertador. Não existe apocalipse eficiente sem ele, o messias. O Messias é o general das hostes da luz, é ele quem guiará os justos na batalha final contra os "filhos das trevas" e seu general, o "antimessias", ou Anticristo, em nossa versão cristã.
Você percebe como esses temas, e a afetividade inerente a eles, persegue nossa espécie? O que me parece é que os apocalipses são manifestações de um modo instintivo de ver o mundo, principalmente com relação aos grupos adversários, e de dar sentido a ele. O "outro" é o mal, a luta contra ele é uma luta justa, e nosso guia nos levará a vitória. Isso surgiu antes da religião organizada, orientou-a em tempos sombrios, e penetrou em nossa mentalidade política. Analise nossos movimentos políticos modernos, perceba esses sinais neles. Todo fervor político é também uma crença apocalíptica, não entendida como o "fim do mundo", mas como a salvação de um perigo enorme e a luta contra a opressão do outro. Isso é flagrante nos grandes movimentos políticos, como as formas de socialismo, como exemplo:
-Revolução do Proletariado/ Luta de classes - filhos da luz/ filhos das trevas, guerra apocalíptica.
-Ditadura do Proletariado/ Utopia comunista - variações do milênio.
- Lenin, Stálin, Mao e todo líder socialista - O messias.
Usei o socialismo, porque nele o modelo é mais claro, mas a ideia está presente em tudo, mesmo no nazismo com seu fuhrer, Reich de mil anos, etc. 
Em suma, somos apocalíticos por natureza. Provavelmente sempre seremos. Mais do que movimentos racionais, estamos seguindo diretrizes instintivas produzidas durante milênios de guerras tribais. Não é a "guerra dos filhos da luz contra os filhos das trevas", é apenas a força instintiva nos atraindo para polaridades e adotando homens como símbolos pelo caminho.
Ainda mais nesse tempo, com a difusão das redes sociais. Nossos profetas antigos intuíram bem nossos desejos secretos, só não previram uma coisa como a internet e a democracia, que levariam o uso de imagens e símbolos muitos níveis adiante.

E um dia vou escrever um livro sobre isso.

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