domingo, 17 de junho de 2018

Estilo de Vida Moderno


O que o "estilo de vida" moderno faz com a gente? A coisa em si já é um jargão sem sentido.
A vida da gente é uma quantidade desconhecida de areia descendo de um a outro compartimento na ampulheta da nossa existência. Ampulheta é um cronometro, um medidor temporal, que usa uma certa quantidade de areia que vai descendo por um vão que liga as suas duas partes, marcando, com isso, um certo período de tempo. A falha da analogia é que você pode recomeçar a contagem virando a ampulheta, o que é incerto para a vida humana, exceto se houver reencarnação, e, por consequência, uma alma imortal e incorpórea.
O fim da vida é a única realidade fixa num universo humano de tantas "certezas". A gente vem ao mundo biologicamente determinado a fazer certas coisas numa linha tênue que liga a concepção à morte, o que equivale a dizer "o não-ser ainda ao não-ser mais". Existir é um pequeno hiato, é um acidente aristotélico num mar de pessoas-possibilidade emergindo e submergindo duma massa humana semi-consciente de sua efemeridade diante do imenso "todo". Filosoficamente desesperador, e difícil de compreender mesmo para quem tem as ferramentas intelectuais para isso.
É uma coisa incrível, fantástica e algo melancólica. Mas o que se faz diante dessa constatação? A maioria não faz nada, porque a gente se "alija" (se lança, se joga) para fora dessa percepção fazendo do hiato, da pausa, o TUDO. O materialismo moral é a tentativa inconsciente de negação dessa finitude, e um esforço para escapar "usufruindo", se não da coisa em si, pelo menos do medo. Esse é o verdadeiro ópio das massas.
Mas se a vida é um recurso limitado e de duração desconhecida em nossas mãos, como podemos sabiamente utilizá-lo? É um pergunta complexa que talvez não tenha uma resposta única. O certo seria viver, consciente da mortalidade, de modo simples e cultivando aspirações que resistam à nossa própria "fortuna" (no sentido clássico). Isso pode parecer materialista naquele sentido moral. Mas não é, pois implica consciência, o que por si destrói a ilusão de permanência.
O que é desproposital para o nosso "estilo de vida". Pois a gente aprende desde cedo que se deve "conquistar". A gente é como aquelas cobaias colocadas numa raia para competir. Uma cobaia o faz por instinto, na gente criam um instinto cujo prêmio é a fantástica FELICIDADE. A gente não quer ser feliz, a gente precisa DESESPERADAMENTE ser feliz. E ser feliz implica em ter o melhor cargo, o melhor carro, a melhor sei-lá-o-quê. O preço contamos em vida, parcelas da finita areia que desce indiferente. Não podemos parar para ver o sol, para curtir o vento, para ouvir um pouco a pessoa que nos fala a partir de dentro, do ser que somos de fato.
Alguns alcançam o prêmio. Mas todos pagam o preço em sofrimento, ilusão, desumanização. Nós, os outros seres que habitam esse mundo e o próprio mundo que vai sendo desfigurado pelas nossas mãos. E talvez seja isso mesmo o que nossa natureza humana nos destina. Mas aí nos vem a percepção, a ideia, a aspiração sei lá de onde - talvez do eu oculto- de que há um potencial desconhecido para ser diferente. Porque na verdade tudo é tentativa de escapar do fim inevitável, e esquecer dele aproveitando o prazer da artificialidade, uma sombra ambígua sempre além da curva.
A gente também paga em sanidade. A indústria da psiquê cresce a olhos vistos. São tarjas vermelhas, pretas. Você é um doente. Vamos organizar essa química cerebral ferrando com o resto. É o preço que se paga por ser tão eficiente. E se não for, você é um marginal.
Corra! Encha a atmosfera com toneladas de gases poluentes. Mate rios, animais, aqueça a Terra. Vença a sua destruição iminente destruindo todo o resto.
Nosso "estilo de vida" é só mais uma ilusão que vamos alimentando com a força da nossa fé. Porque progresso só vale a pena se nos custa nossa alma no processo. Mas nossa alma não morre calada.
Ela nos fala na calada da noite, na depressão, na loucura, no medo. Ela nos fala a partir de nossos olhos no espelho:
-Pare!

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