sexta-feira, 4 de maio de 2018

A Balada do Assassino e da Morte


Silêncio.
Meus passos soam no cascalho de uma rua morta
É madrugada, e as sombras escondem-se sob o abraço das névoas..
O murmurar sonolento das criaturas da noite dança ao meu redor
Enquanto o sangue desce pelo meu braço
Numa varanda carcomida uma velha cadeira eu encontro
Postada atrás de uma mesa antiga onde repousa uma garrafa
De alguma esquecida bebida
Sento e me sirvo, ali perto uma porta range acariciada pelo vento
Como uma amante há muito solitária que recebe os afagos
De alguém que julgava nunca retornar
Eu me sirvo, e a bebida queima minha garganta e vai perder-se
No vazio esgotado das minha entranhas
A madrugada me cerca e as sombras parecem se acercar para ouvir
Os passos que me seguem sobre os mesmos pedregulhos
Muito maior que eu ele se aproxima, o chapéu negro cobre a face e as pontas do sobretudo enchem as vielas
Enquanto um turbilhão de moscas voa ao redor da figura escura
E ele para diante de mim, em silêncio
Eu lhe ofereço uma cadeira, de onde ela veio não sei, e um copo
Que agora transborda de cheio, ele bebe
Ouço o liquido espremer-se pela sua goela, hesitante
E a mão descarnada desce, o copo vazio, novamente o sirvo
E ele com o copo cheio toma também a garrafa e despeja
Seus olhos vazios me convidam a que beba, e eu bebo
O liquido desce, mas não leva meus pecados
É o fim, é dança final de um baile pavoroso
Mas meu parceiro não tem pressa, e a garrafa sempre cheia
Meu copo é novamente inundado com aquela infernal bebida
As tábuas gemem cada vez que ele se move
Ele tira do bolso um cigarro e um isqueiro, acende
Depois de sorver a fumaça, sem soltar, ele me estende aquele curioso artefato
E eu sorvo, a fumaça negra desce para meus pulmões
E não estou ali, o dia claro se estende
Enquanto a garota assustada implora
Eu não sinto, não há perdão que dar, não há misericórdia que buscar, e a pressa pressiona meu dedo
É noite e o homem implora com horror, mas eu não sinto, fala dos filhos, mas eu não me interesso
O tiro atinge a testa, e a parede recebe uma decoração vermelha
Muitos dias e noites passam diante de mim, e corpos que caem
O sangue inunda minha visão enquanto libero o conteúdo infernal numa fumaça negra em que rostos disformes parecem se agitar
No chão meu sangue já forma uma pequena lagoa, e mais corpos dançam o baile da perdição
Eu busco seus olhos, quem sabe haverá compaixão, mas as orbitas vazias não me oferecem consolo
Apenas fogo, mas um tipo diferente, escuro, indescritível
ele enche meu copo, e eu bebo, a noite está a ponto de se desfazer
Eu nada sinto, nem medo, nem horror, nem desalento
A bebida é o fogo, é o vento, é o ar parado
É o ranger luxurioso da porta, é o pecado, a morte
O julgamento e a último momento de um condenado
A noite se desfaz, meu parceiro não está mais ali
O sol se insinua na velha cidade morta
É tarde, eu fecho meus olhos
A mesma arma está descansando apoiada na minha têmpora
E meu dedo vai pressionando de leve o gatilho...

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