terça-feira, 10 de abril de 2018

Desde Criança eu...

Desde criança eu carregava uma necessidade imensa de ser reconhecido. No começo eu queria ser gente, depois queria ser ouvido. Mas naquele tempo criança tinha que ficar calada porque “os adultos estão conversando”. Eu não me sentia gente nos primeiros tempos, porque gente recebe afeto, carinho, e isso aí me era estranho. Eu não tinha pai comigo, nos documentos ainda não tenho. Era triste ser filho do seu ignorado. E era o errado numa família branquinha. Tinha os dois irmãos mais novos descendentes de alemães, ambos também órfãos de pai vivo. Fui pai deles, a mãe sempre trabalhando. Aprendi coisas de casa bem cedo, sozinho.

Trabalhava desde cedo, no pesado, que menino sem trabalho vira maloqueiro. O estudo foi ficando, não era obrigado. Tinha liberdade. Tomava banho se quisesse, comia se encontrasse, não que a mesa sempre faltasse, só às vezes. Me criei na rua, nas cavas, caçando passarinho, queimando sapé com pinhão. Só quem viveu sabe.
Mas carregava amargura infinita, que vê e não entende. O peso da maldição familiar. Acreditava que a mim era destinada aquela vida desgraçada. Por quem? Deus, a família, o mundo que me ignorava?
Aos onze adquiri o hábito de andar com os olhos no chão. Ainda hoje trago as costas meio arqueadas, coisa que não consegui mais corrigir. Depois vieram os hormônios, a confusão. E não havia ninguém ali para me orientar. Ninguém para me estender um livro, apontar lá na frente um destino melhor. O horizonte era pequeno.
Naquele tempo eu me escondia na imaginação. Lá tive aventuras, namoradas, afeto e comi muito frango assado imaginário.
Um dia fizeram festa tipo americana com os alunos da quinta série. Eu só tinha um par de chinelos, e o agasalho tipo Vietnã. Que menina dançaria uma lenta comigo? Dei sorte, achei uns tênis ainda em condições no lixo. Só não tinham cadarços. Não tente usar náilon para amarrar os tênis, não dá certo. Meu complexo de inferioridade aumentou uns graus naquele dia. 

O que veio depois foi reflexo dessa vida. Só lá pelos 27 anos terminei o fundamental, estudando em módulos, sempre sozinho. Depois veio o ensino médio, mesmo jeito. Meio empurrado fiz concurso. Passei. Ufa. Daí vestibular. Universidade Pública. Ufa.

O reconhecimento não veio. Mas também não faz falta. O viralatismo se foi. Às vezes me pego pensando nos “e se”. E se tivesse nascido em um lar estável? E se tivesse três refeições diárias? E se tivesse estudado? Mas ninguém vive de “se”, senão a vida vira peso de passado, sem presente ou futuro.
Tem árvores que nascem em campo aberto, com água à vontade e raízes bem adubadas. Outras nascem de sementes caídas por acidente ou descuido no meio das pedras, numa terra seca, sem cuidados. E olha, não é que são essas as que dão frutos mais saborosos?
Encontrei vida na minha família. Planta que regar na minha filha. Prazer imenso em escrever como nessas linhas. Não há nada pequeno nisso.
Por isso eu entendo os meninos que se desviam. As meninas que caem pelo caminho. A gente pobre que luta e sofre. Eu entendo. Porque eu sei que a vida deles talvez seja até mais difícil, por causa do ambiente, das ofertas, coisa raras no meu tempo. Era só pobreza mesmo e abandono. Só não gosto da ideia de uns playboys que idealizam minha pobreza, e de outros que fazem cosplay dela.
Não chore. Um abraço!
Escrito antes da alvorada, com o dia ainda menino. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário