quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A Ciência dos Passos


Hoje de manhã eu estava lá numa repartição pública esperando um atendimento. O marcador estava em 2030, minha senha era 2445...Tinha tempo.
Lá dentro o povo se amontoava, muita gente em pé, tosses e gemidos para todos os lados. O ar parado aumentava a atmosfera doentia do local.
Sentei sob uma marquise. A única sombra disponível. Li os últimos dois capítulos de O Advogado do Diabo, romance de Morris West. A leitura me levou a duas reflexões, sem muita relação com o livro. A primeira foi sobre idealismo, e talvez quem leu o livro entenda o objeto dessa reflexão.
A segunda foi bem mais prosaica e um pouco divertida, para quem entende as nuances do bom humor. Foi sobre o andar das pessoas. Parado à beira da calçada a gente tem tempo de notar esses detalhes, ainda mais quando o livro que está lendo traz de quando em quando a descrição de um sacerdote moribundo claudicando em busca da verdade. Veja só o simbolismo!
Cada pessoa tem seu jeito de andar. Uns andam com elegância, parece que nem tocam o solo. Os passos se sucedem numa ordem agradável. Outros parecem se arrastar. Eles não dão passos, jogam uma perna adiante com esforço e voltam para buscar a outra que ficara para trás. Uns andam como galinhas, jogam a cabeça para a frente para que o resto do corpo siga seu caminho.
Há os que andam com as pernas apenas, outros andam de corpo inteiro. Uns chacoalham os braços na posição inversa da perna correspondente, outros enfiam as mãos no bolso ou as colocam para trás, numa pose algo filosófica...
Há os que andam com pressa, embora nenhum compromisso tenham; e há os que andam devagar porque já tiveram pressa, embora o relógio ande e o tempo seja curto...
Há os que como eu andam num chacoalhar esquisito, desengonçado, como se ainda não tivessem se acostumado ao movimento sobre duas pernas.
E há, óbvio, os que não andam, mas mesmo estes, se o podem, manifestam nos seus gestos o modo básico do que seria o seu andar.
O andar de cada um é símbolo da própria pessoa, e algum dia alguém vai criar sua ciência dos passos, demonstrando que ali se vai o modelo psíquico da pessoa. E das irregularidades do passo tirará o diagnóstico preciso, de modo que as pessoas, então, não mais ficarão deitadas num divã, mas andando numa esteira, e os mais naturalistas em uma pista. Nesse dia o psicólogo se confundirá com o personal trainer.
E quem sabe não haverá mais claudicantes em busca da verdade...

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