Não sei exatamente
quando foi, imagino que ali pelos sete ou oito anos, mas sei que um dia
descobri que sou absolutamente ridículo! Veja bem, "absolutamente",
tão completo que nada sobra para questionar...
Algumas almas
pequenas vão dizer que isso é defeito, eu retruco que saber se enxergar é uma
virtude e tanto...
Eu tinha chegado
naquela fase em que é preciso gostar de alguém, e achei de gostar da menina mais bonita da sala -
uma mistura Xuxa anos 80 e Elke Maravilha anos 70- a Patrícia que era pobre,
mas era patrícia pelos meus padrões de pobreza.
Eu não lembro mais - essa é uma das coisas que me
fazem ridículo, minha memória ruinzinha- como a coisa se deu, só sei que devo
ter dito que "gostava" (termo que as crianças usavam) dela. Ele
estalou os olhos para mim, os dois tufos de cabelos louros, um de cada lado da
cabeça, parecendo duas orelhas caninas, se agitaram para cima e para baixo e
ela de um um vibrante "eca!", juntou as secreções presas na garganta
e deu aquela orgulhosa cuspida carregada aos meu pés...
No fim da aula, correndo entre os pedriscos do
pátio da Emiliano Perneta, minha escola primária, de uma meia dúzia de outros
"gostantes", sob os risos e aplausos da Patrícia, eu percebi, como
Newton sob a macieira (adoro histórinhas apócrifas!), que eu era o exemplar
perfeito de um tipo de gente que até então eu mal notara: os que são sem jeito;
que sempre dão bola a fora; que rastejam quando os outros correm; que deixam a
comida escapar pelos cantos da boca; que confundem "crocodilo" com
cocô de grilo...
Dali poderia ter saído uma teoria revolucionária
sobre a "tonguice" humana, mas a coisa apenas se insinuou na minha
alma, afastada de súbito pela primeira pancada que aderiu ao meu cocoruto
infestado...
Como eu disse, não lembro bem o que aconteceu
depois, imagino que minhas pernas resolveram fazer o que minha cabeça não pode:
reagir!
Anos depois, frente ao pelotão de
fuzilamento...ops! Anos depois, hoje exatamente, meditando sobre a feiura humana
- há dois tipos de pessoas no mundo, os feios e os mais feios, só que entre os
mais feios existem alguns com talento de ser mais feios ainda, estes são os
lazarentos de feios, por dom e não por nascimento - como eu dizia, meditando eu
finalmente atingi a plena catarse daquele dia perdido na memória de trinta e
dois anos atrás:
Hoje, Patrícia, você tem trinta e oito ou trinta e
nove anos. Imagino que se tornou uma polaca enrugada antes da hora, ou está com
cento e vinte quilos, ou seca, com as ancas flácidas apenas presas aos ossos...
Mas não pense o meu leitor, se algum houver, que
tenho mágoas dela, pelo contrário, pois já disse que foi naquele dia que a
minha incrível condição se insinuou de leve na minha psiquê ainda mal formada!
Depois daquele dia, embora não tendo uma teoria
ainda formada, em cada novo fora, em cada dança negada, em cada piada sobre
mim, em cada noite deitado sob as estrelas sofrendo de um amor qualquer, sempre
imaginário, ou chutado bem forte por outros moleques, ou passando diante de uma
vidraça vendo meu jeito de andar...cada novo evento apenas me trouxe mais perto
dessa constatação plena: sou um idiota com o cérebro intacto! Um bobo sem
corte! Um alguém com o lirismo dos clowns de Shakespeare, sem seu charme ou
sorte...
Alguns vão dizer que é mentira, mas não é, tudo foi
como disse, e até pior...e para mostrar que é assim, paro por aqui, enquanto o
texto não tem pé nem cabeça e coloco o ponto onde os outros colocariam uma
vírgula.
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