Eu vou caminhando como quem não tem parada certa nem destino programado. Vou
observando as nuvens, projetando nelas meu mundo. Vou contando as estrelas,
cogitando nelas meu mundo.
Eu vou caminhando, colhendo conchinhas à beira do mar, sentindo na sola do pé
os pulsos esparsos na areia. Eu sinto a força das águas nos meus tornozelos e
seu frescor reverbera naqueles limites estranhos entre o sentir e o desejo.
Eu vou caminhando, por entre vielas caminho de noite e de dia. Nelas encontro
outros caminhantes, uns absortos na caminhada, alheios aos pequenos acidentes
que fazem a estrada, outros ausentes do ato de caminhar, pousados nos cantos
como velhas árvores que já não dão frutos.
Eu vou caminhando, e ao caminhar encontro crianças brincando e sonhando com a
vida pujante de alegria que terão no futuro. E ainda caminhando, depois que a
lua deitou muitas vezes nas costas das montanhas, encontro as mesmas crianças
vivendo sombrias na carapaça de um adulto infeliz.
Eu vou caminhando, na caminhada encontro umas flores cintilantes que os homens
chamam de "ideais". Os dias se passam e ao retornar encontro não uma
jardim com estas belas flores, mas um arbusto cheio de galhos secos espinhosos,
sem folhas, sem flores, nem cores, exceto cinza.
Eu vou caminhando, e caminhando encontro homens iluminados trajando o manto
pobre dos profetas pregando ao ar livre às multidões de sedentos. Ao voltar
encontro grandes palácios fechados à chave tendo nas portas grandes mastins e a
mesma multidão de sedentos ainda mais pobres e menos saciados.
Eu vou caminhando, e caminhando vejo uma multidão de mães trazendo no seio seus
filhos. E ao voltar encontro mais mães, com mais filhos, vivendo, ainda, o
mesmo desprendimento. Nisso encontrei uma beleza perene.
Eu vou caminhando, e cansado me deito à beira da estrada, muitos caminhantes
vão e vem, mas eu vou deixando ali o meu ser. Meu corpo se desfaz com o vento e
a chuva, mas do ponto onde deixei de existir um novo caminhante inicia sua
jornada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário