sábado, 25 de junho de 2011

Amor de engraxate

Esse é um poema-tentativa que escrevi muitos anos atrás, é fruto da minha inocência à época e é testemunha da influência que a linguagem bíblica tinha sobre mim, fica como recordação.
 
Cantar-te-ei agora minha Musa
Como tantas vezes tenho cantado
Daquele sentimento por nós exaltado,
Que será doce Elizangela?
Não é o amor? Essa exótica
Planta que teima em nascer
Em pleno deserto árido?
Deixa-me então cantar,
Abre os teus ouvidos para o
Que dos meus lábios sairá:
Laborava, quem sabe, cinqüenta anos atrás,
De dezesseis anos, um mancebo,
Que do braço o sustento
Desde manhã, bem cedo,
Engraxando sapato enlameados
Teimava contra a pobreza lutar.
Um figurão, rosto de mármore
Com a donzela, filha sua
Ao hábil rapaz, mostrando,
O preto e fosco sapato:
-Faze-o ó mancebo, brilhar!
Mas os olhos do pobre,
Ainda que caros os sapatos fossem,
Eram na moça, tão bela!
Iam, sem cerimônia, se fixar;
E o pai, mármore duro,
Mais duro ficou,
Os olhos, incrustados na pedra,
O pobre rapaz, intimidou,
Mas como rochedo duro
Não pode o mar deter,
Também não o mármore da face
Fazer aquele que nasce,
0 amor, Esmorecer!
No interior da bela paisagem,
De pureza intocada,
Pura e imaculada!
Que da jovem era o coração;
Uniu no pobre engraxate
O seu amor desde então.
Jão, como dizia a mãe
Daquele menino-moço,
Que do suor do rosto colhia
Corajosamente o seu pão,
Era, outro de muitos, João;
E a cabeça vidrada
Naquele rosto tão belo
Jovem, relva florida de um dia de verão
Onde voam as borboletas,
Também lá voava Jão.
Nas estrelas via seus olhos;
E as copas das árvores, os cabelos,
Agitados pelo vento, tendo
O ventre nas ondulações do gramado.
Comer, já não comia Jão;
E dormir, nem dormir dormia,
E, muito, se perguntando dizia:
Pra que dormir, se sonhar eu sonho de dia?
E alguém sempre dizia:
“Há de morrer esse menino!”
Tão magro Jão estava
De tanto “viver” a amada.
Mas o mal que a favela atinge,
Não poupa a mansão;
E a jovem por seu turno
Também sofria o mal dessa paixão!
E como o amor só se cura
Quando cresce regado pelo amor,
Nem médico no estrangeiro formado
Pôde a jovem do mal estar
Com remédio importado exorcisar!
Esse platônico amor, que
A esperança não deixava morrer
Crescia mesmo dos olhos longe
Pois era a ânsia da vida por viver!
Vitória, que a moça era,
Não suportando a distância
A amiga-empregada chamou:
“Diva, me ouve,
Ouve o meu amor
Pois o cupido as flexas,
No meu peito encravou,
Agora viver não vivo
Se o objeto do amor meu,
Perto não estiver comigo!
Vai  à praça, como te digo,
E aquele engraxate que encontrares
Transmite o meu gemido!”
Mas Diva, confusa lhe disse ser
Impossível um só moço achar,
Posto que na praça muitos
Levam a vida a engraxar.
“Não hás de errar”, respondeu,
”Pois se nos olhos olhar,
Um brilho sofredor nos meus podes ver,
Tu irás enxergar!”
A laboriosa amiga-empregada
De procurar já cansada estava,
Quando nos olhos de um jovem,
O refulgir do brilho do amor
E a face sofrida do que ama
Sem sombra de dúvida constatou.
“Vem, eu te mostro onde é
O jardim dos teus sonhos,
Aonde voam os teus pássaros,
Onde pastam os teus rebanhos!”
E foram Vitória encontrar
Como princesa encarcerada
O seu príncipe a esperar;
E os olhos se encontraram
E o brilho de Jão
E o brilho de Vitória,
E houve um só brilho então;
A explosão de mil milhares de estrelas,
Incendiou suas almas,
 E o átimo de um momento eterno
O ribombar do silêncio turbou
Num milhão de longas frases não ditas,
A plenitude do amor!
Mas a dor, companheira dos que amam,
Suas garras em seus sonhos cravou!
E o pai, de grande empresa diretor,
Arranca a filha do sonho principiado,
“Oh filha”, disse o tal doutor,
“Tu és pedra lapidada,
Pelas minhas mãos trabalhada,
Não te criei para o mundo,
E direi eu com dor profunda,
Nem para esse mendigo vagabundo!
Agora some da minha casa,
E da minha filha não te aproximes,
Senão te ponho a ferros,
Pois sou homem de posses,
Tenho a polícia a meu favor!”
A filha ao pai protestou:
“Eu o amo meu pai;
E mesmo tu sendo forte
Não pode deter o amor!”
Mas o homem a filha ignorando,
Expulsou o jovem João,
Que resoluto saiu do jardim,
Sem implorar compaixão.
E vitória ao longe lhe gritou:
“Luta, se queres o meu amor,
É teu, usa tua força,
É hás de ser vencedor!”
E João a rua estando,
Ao céu azul os olhos voltou,
E um pacto a si votou:
“Vou lutar e ser vencedor!”
E aquele rico homem, anos depois,
A filha Vitória casou,
O genro, jovem advogado,
Ímpeto sagaz e empreendedor,
Um dia lutando pelo povo,
Na função de senador,
À tribuna subiu para dizer:
“ Já fui pobre, muito lutei,
Engraxei sapatos na praça,
E lá ficaria, não fosse o amor
Me mostrar que o homem,
Mesmo sendo pobre, pode ser vencedor,
Lutei muito, estudei demais,
Mas nunca medi esforço,
Comigo estava o amor!”
O povo aplaude,
Vitória e o belo sorriso,
Nos braços dois filhos
Um no ventre;
O pai orgulhoso,
Bigode aparado,
Sapato lustrado,
Sorria, sorria, sorrria.
E esta, musa minha,
É uma história
do grande Sentimento titânico,
força do império do coração,
Assas belo, demasiado simples,
E tão inexplicável que
Mesmo caindo permanece em pé,
O amor!


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