domingo, 30 de maio de 2021

Tanto sonhos, Senhor, caídos ao chão...

 Tanto sonhos, Senhor, caídos ao chão

O vento ruge selvagem nas estradas

Levantando poeira cheia de frases desconexas

De quem tenta dar sentido ao seu desvario

Mas os mortos já não ligam, nem sonham

Não procuram respostas na vontade

De que as coisas sejam o que não são

Nem participam da fé louca dos vivos

Eu penso que agora eles sabem

E se pudessem, me diriam para deixar

Que alguns desses frutos insanos

Fossem aninhar-se no pó do esquecimento


Ontem, Senhor, passei pelas portas de um cemitério

Cheio de vivos lamentando o triunfo da morte

Nas abóbadas dos túmulos se aninhavam

Estranhas figuras enroladas nas cruzes

Sombras predizendo algo que eu não podia

Entender naquela língua perdida

No sopro imemorial dos antigos tempos


Pois eu só ouvia a estranha melodia tocada

Na face de uma solitária garotinha

Cujas lágrimas percorriam um caminho sinuoso

Enchendo o ar daquele som ancestral

Do encontro do que acabara de ver o sol

Com aquilo que se aninha na noite sem fim


A tristeza quase me fez cair num daqueles túmulos

E quando eu já não suportava o desespero

Vi que entre aqueles rios melódicos

A vida se erguia enchendo de luz cada margem

E os frutos na terra molhada, na madrugada podres

Fecundaram a terra esperançosa daqueles olhos

Era ainda uma plantinha tão pequena, Senhor,

E já mostrava novos sonhos que cobriam aquela

Face desolada.


Então entendi, Senhor, que o triunfo é da vida

Que apenas o fato de existirmos já nos mostra

Que a implacável entropia do cosmos

É o que coroa a grandeza dessa fragilidade

Quando o singelo toca o bruto

E o mundo se enche novamente de cores...

Nenhum comentário:

Postar um comentário