terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Espera


Eu esperei a porta se abrir e você entrar, mas nada
Lá fora as pessoas faziam festa e eu desejei
Que você estivesse entre elas e que logo viesse me ver
Eu odiava cada um daqueles risos, daqueles fogos, daquele burburinho
Que alongava meu tempo longe de você
Meus olhos iam da porta à parede onde o velho relógio estivera
Por décadas esperando a sua volta, mas eu via
Apenas a queda inclemente dos ponteiros, e sua
Angustiada subida

A noite ia subindo com cada um daqueles ponteiros
Trazendo a madrugada e no jardim tudo era silêncio
Exceto pelo murmurar daquela oração cheia de sons guturais
As sombras se agitavam numa festa invisível
E todos os amigos ressonavam, vencidos pelo torpor da ignorância
“Nem um pouco pudestes vigiar comigo”?
Os joelhos voltaram ao solo, água e sangue temperavam a solidão
Você não veio, e ainda se mostrava na ausência quando eles vieram
Quando a mais longa das noites começou.

Os animais estavam silenciosos, absortos com a dádiva maior
O pequeno dormia alheio ao mundo cruel que o cercava
As mãos já um pouco endurecidas pelo trabalho, mas ainda tão doces
Quanto podem ser as mãos de quem entrega uma vida ao mundo
Acariciavam- lhe as faces, embalando-o num sonho que era
O relato dos dias antigos e uma névoa com imagens do futuro
Quando as mãos seriam rudes, e a dor tão grande que
Não haveria palavra melhor que “abandono” para defini-la
Foi quando os pastores entraram pela porta aberta
Mas você não estava entre eles

Eu ouvia da sala as frases reverentes ditas naquela língua semita
As palavras se enrolavam numa manta latina
Que ia sendo dilacerada pelo uso de tantos corpos, tantas vidas
Barbarizando-se nas noites em que o idioma dos que dormem
Fluía pelas suas tramas, levando seus casos embora
Era um idioma novo, o mesmo que recebi por herança
E eu não o entendia, pela trama intrincada das vozes embriagadas
Pela alegria desse novo dia que escorria pelos vãos das minhas janelas

A porta se abriu sem que ninguém a forçasse
Revelando uma tarde nublada cheia daquelas primeiras vozes
Uns choravam a perda, outros riam daquele que por eles sentia
Um amor que nenhuma pessoa sabia explicar
A cruz feria a terra agoniada, e apontava um céu indiferente
Sangue e água jorravam de uma fonte dolorosa
A porta ainda estava fechada
E eu, naquela hora que consome todas as horas
Indaguei horrorizado, e tal pergunta ainda reverbera na minha garganta:
Pai, por quê? Por que meu pai? Por que me abandonaste?

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