sábado, 15 de abril de 2017

Vamos Malhar o Judas?


Existem tradições que a gente não sabe de onde vieram e outras, como a da malhação de Judas, que a gente pensa que sabe de onde vieram.
Quando eu era criança, coisa que parece que foi ontem, era comum ver os bonecos pendurados e grupos de crianças sendo prepar...brincando.
Mas a tradição popular difere da tradição bíblica. Na Bíblia, Judas se suicida pelo método mais usado pelos suicidas, o (auto) enforcamento.
É um drama forte, digno de um Dostoiévski. E simbólico. Judas, tesoureiro do grupo, vende o Mestre por trinta moedas de prata. O ato de vender se resumiu a informar os sacerdotes judeus do momento em que Jesus não estaria cercado por seus discípulos, facilitando sua captura. Depois ele se arrepende, devolve as moedas e se mata. Fim.
Assim ele se tornou o símbolo dos traidores. E uma espécie de contraparte do próprio Jesus, pois se Este se tornou o símbolo máximo do auto-sacrifício, aquele é o do suicídio como fuga.
A tradição tem um fundo simbólico também. "Judas" era um nome muito comum entre os Judeus. Mesmo entre os seguidores de Jesus havia outros Judas, e um de seus irmãos também tinha esse nome. Era comum porque a principal tribo que originara o pequeno país da Judéia, hoje Israel, foi a de Judá. Judá [Yehudah] era um patriarca antigo, um dos doze filhos de Jacó/Israel. Davi, o Grande Rei, era dessa tribo. E Jesus, descendente de Davi, era "O Leão da Tribo de Judá". Um dos grandes heróis do povo judaico, eternizado nos livros dos Macabeus, se chamava Judas.
Com o tempo, todos os israelitas tomaram a alcunha de "Judeus".
O cristianismo, herdeiro dos judeus e do judaísmo, cresceu sobre uma corruptela da história da paixão, incapaz muitas vezes de entender seu significado. Era necessário culpar alguém, e esse alguém não foi o Judas bíblico. Mas Judas se tornou um símbolo de todo um povo. Malhar o Judas é punir o povo judeu. É antissemitismo. Com o tempo, os cristãos passaram a celebrar o progrom contra os judeus. Fazer algo ruim é "judiar" de alguém.
Mas o Judas...Judas se tornou símbolo dos traidores. E celebramos nele o linchamento social dos "odiosos" judeus e de todos os criminosos.
Mas Judas tem uma outra face. Ele simboliza nós mesmos toda vez que a nossa covardia nos leva à fuga. Todas as vezes em que entregamos um bem maior por um prêmio temporário. Todas as vezes em que trocamos o que é importante pelo efêmero. Judas é o político? Não. Sou eu e Você quando não conseguimos ser fieis aos nossos valores. Mesmo o cristão bíblico sabe que Jesus não morreu por causa da traição de Judas, Ele "morreu por nossos pecados". Esse é o símbolo.
Os políticos não são Judas por roubarem nossa nação. Nós é que o somos por vender nossa aprovação por discursos tão pequenos.
Vamos malhar o Judas? Celebrar nosso racismo? Fazer a catarse do nosso próprio remorso?
Ou simplesmente utilizar uma expressão baseada numa tradição que ninguém mais entende?

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