sábado, 3 de setembro de 2016

Lembrança


Ontem eu fui atacado.
Fui atacado por uma daquelas lembranças que nos levam lá para os dias da inocência. A coisa aconteceu em 1988, no dia 18 de novembro, era começo de noite.
Eu tinha treze anos. O coração apertado. No dia seguinte seria meu aniversário e estaríamos de mudança.

Eu era muito inocente. Demais da conta! Muito diferente dos adolescentes de hoje, e até suspeito que dos daquele tempo também.
Eu estava apaixonado. A primeira névoa do amor cobrira meus olhos já desarrazoados.
A menina se chamava Marli, tinha dezesseis anos e era a irmã mais velha de um de meus amigos. Mas as meninas de dezesseis anos daquela época, como as de hoje, imagino, estavam mais interessadas nos rapazes de dezenove ou mais.
Não havia como ela notar aquele moleque que jogava bola na rua com seu irmão.
A Marli trabalhava num supermercado, e toda noite eu esperava ela passar. Ela passava pela rua e meu dia estava ganho. Não sei se algum dia ela notou que eu estava ali, na beirada do terreno, geralmente sentado com o queixo apoiado nas mãos.
E aquela seria nossa última noite juntos!
Meu coração batia forte. Ela passou, eu chamei sei nome. Ela parou.
"Eu só queria me despedir de você, amanhã eu vou me mudar".
Ainda lembro do modo como ela me olhou. Foi uma mistura de pena com, talvez, um pouco mais de afeto do que o razoável...
Ela disse algo, mas eu já tinha me perdido nos seus olhos negros.
Então ela colocou as mãos sobre meus ombros e depositou vagarosamente os lábios sobre os meus.
O mundo parou. Silêncio.
Ela se afastou. E eu me virei. Não podia dizer mais nada. E corri, corri com todas as minhas forças! Eu não olhei para trás, eu apenas me projetei para a frente movido por uma energia que eu nunca sentira antes!
A mudança veio. E os anos se foram.
Quando eu tinha dezenove anos encontrei a Marli no ônibus. Agora éramos dois jovens e a diferença de idade não parecia mais tão grande. Conversamos um pouco. Chegou seu ponto e ela desceu. Não houve mais nada, nem a vontade de que houvesse.
Ela talvez ainda fosse a Marli daquele começo de noite. A Marli carinhosa daquele beijo.
Eu é que não era mais o mesmo.

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