Essa semana estou me
dedicando à Divina Comédia-Inferno. Embora seja uma leitura fluída, a gente
precisa dar uma olhada nas notas, ou no são Google, para entender uma ou outra
referência.Apesar dessas pequenas
dificuldades, a experiência da imersão no texto é maravilhosa! É poesia, mas
tem uns "lances de modernidade" maravilhosos!
-Bem antes de Francis
Underwood (House of Cards, da Netflix), Dante já "quebrava a quarta
parede" para conversar com o Leitor, esse recurso nos leva mais para perto
do texto, e nos coloca face a face com o autor.
-Outra coisa incrível são
os, vou chamar assim, "recursos imagéticos", a forma como as coisas
são descritas e os movimentos "performáticos" de torturadores e
torturados. Numa "cena" Dante vê pessoas enterradas até a cintura e
então a "câmera gira" e elas são mostradas como plantas, com as
pernas para cima. Para mim esse foi um "lance" igualável
(visualmente) às revoluções dentro da estação espacial de 2001 de Kubrick/Clarke.
-É certo que as visões de
Dante influenciaram bastante o modo como "o reino de baixo" tem sido
descrito popularmente até hoje, mesmo que o imaginário de tais imagens seja um
produto medieval. É claro que Dante levou essa visão popular a outro patamar
com a inclusão de elementos das mitologias grega e romana. Sem contar que o
guia de Dante é Virgílio, autor da Eneida. A força desse poema é tanta que
mesmo hoje muita gente alega ter "visões" de viagens infernais que em
muito lembram Dante. Sem contar a influência direta no cinema e na literatura.Até os X-Men (1980) já estiveram por lá!
-Quando iniciei a leitura,
me veio à mente um poema de Drummond, "tinha uma pedra no meio do
caminho". Me soou por demais próximo com "No meio do caminho desta
vida" da Comédia. Em literatura existe o conceito de
"intertexto" (todo texto é um intertexto). Todo texto dialoga, seja
direta ou indiretamente, com outros textos. Esse diálogo pode ser consciente,
quanto um autor referencia outro claramente, ou mesmo inconsciente, quando é
influenciado sem perceber. E "texto" não precisa ser algo escrito
para ser referenciado. Achei, a princípio, que a ligação Dante/Drummond era uma
reflexão minha, mas encontrei depois alguns estudos fazendo essa ligação, assim
como ao poema "Maquina do Mundo" (meu preferido de Drummond). O poema
de Drummond tem em vista a linguagem "erudita" em oposição aos
usos populares, como o verbo "ter" no sentido de "haver", seguindo as linhas traçadas pelo modernismo. O
poema de Dante também rompe uma barreira "clássica", ao utilizar a
língua do povo, o italiano, e não o latim, como era costume.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
-Outra curiosidade está
relacionada a Machado de Assis. Não são poucos os que dizem que ele foi um
grande romancista, mas um poema mediano. Não acho que isso seja inteiramente
justo, já que Assis "transbordou" para dentro do idioma uma série de
influências hoje clássicas. E sem dúvida que sua prosa é poesia, para os
ouvidos e olhos atentos...O interessante é que entre os poemas de Machado de
Assis há diversas traduções. Você tem Shakespeare (To be or not to be), Poe (o
Corvo) e o canto XXV do Inferno! E a versão de Machado, eu a li ao lado da
outra, é deliciosa! E não consigo ver um bom tradutor de poesia (embora haja
tantas críticas ao Corvo) como um poeta ruim. Esse canto XXV é bastante
complexo, de novo, pela sucessão de imagens e transmutações, uma verdadeira metamorfose
dantesca! Isso, Dante é adjetivo, embora eu achasse melhor que dantesco fosse
algo como "deliciosamente incrível". A tradução de Dante por Assis
está nas "Ocidentais" (eu tenho!).
Dantesco!
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