segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Notas Sobre A Divina Comédia - Inferno.



Essa semana estou me dedicando à Divina Comédia-Inferno. Embora seja uma leitura fluída, a gente precisa dar uma olhada nas notas, ou no são Google, para entender uma ou outra referência.Apesar dessas pequenas dificuldades, a experiência da imersão no texto é maravilhosa! É poesia, mas tem uns "lances de modernidade" maravilhosos!

-Bem antes de Francis Underwood (House of Cards, da Netflix), Dante já "quebrava a quarta parede" para conversar com o Leitor, esse recurso nos leva mais para perto do texto, e nos coloca face a face com o autor.


-Outra coisa incrível são os, vou chamar assim, "recursos imagéticos", a forma como as coisas são descritas e os movimentos "performáticos" de torturadores e torturados. Numa "cena" Dante vê pessoas enterradas até a cintura e então a "câmera gira" e elas são mostradas como plantas, com as pernas para cima. Para mim esse foi um "lance" igualável (visualmente) às revoluções dentro da estação espacial de 2001 de Kubrick/Clarke.



-É certo que as visões de Dante influenciaram bastante o modo como "o reino de baixo" tem sido descrito popularmente até hoje, mesmo que o imaginário de tais imagens seja um produto medieval. É claro que Dante levou essa visão popular a outro patamar com a inclusão de elementos das mitologias grega e romana. Sem contar que o guia de Dante é Virgílio, autor da Eneida. A força desse poema é tanta que mesmo hoje muita gente alega ter "visões" de viagens infernais que em muito lembram Dante. Sem contar a influência direta no cinema e na literatura.Até os X-Men (1980) já estiveram por lá!

-Quando iniciei a leitura, me veio à mente um poema de Drummond, "tinha uma pedra no meio do caminho". Me soou por demais próximo com "No meio do caminho desta vida" da Comédia. Em literatura existe o conceito de "intertexto" (todo texto é um intertexto). Todo texto dialoga, seja direta ou indiretamente, com outros textos. Esse diálogo pode ser consciente, quanto um autor referencia outro claramente, ou mesmo inconsciente, quando é influenciado sem perceber. E "texto" não precisa ser algo escrito para ser referenciado. Achei, a princípio, que a ligação Dante/Drummond era uma reflexão minha, mas encontrei depois alguns estudos fazendo essa ligação, assim como ao poema "Maquina do Mundo" (meu preferido de Drummond). O poema de Drummond tem em vista a linguagem "erudita" em oposição aos usos populares, como o verbo "ter" no sentido de "haver", seguindo as linhas traçadas pelo modernismo. O poema de Dante também rompe uma barreira "clássica", ao utilizar a língua do povo, o italiano, e não o latim, como era costume.

No meio do caminho tinha uma pedra  

tinha uma pedra no meio do caminho  
tinha uma pedra  
no meio do caminho tinha uma pedra. 

Nunca me esquecerei desse acontecimento  

na vida de minhas retinas tão fatigadas.  
Nunca me esquecerei que no meio do caminho  
tinha uma pedra  
tinha uma pedra no meio do caminho  
no meio do caminho tinha uma pedra 


-Outra curiosidade está relacionada a Machado de Assis. Não são poucos os que dizem que ele foi um grande romancista, mas um poema mediano. Não acho que isso seja inteiramente justo, já que Assis "transbordou" para dentro do idioma uma série de influências hoje clássicas. E sem dúvida que sua prosa é poesia, para os ouvidos e olhos atentos...O interessante é que entre os poemas de Machado de Assis há diversas traduções. Você tem Shakespeare (To be or not to be), Poe (o Corvo) e o canto XXV do Inferno! E a versão de Machado, eu a li ao lado da outra, é deliciosa! E não consigo ver um bom tradutor de poesia (embora haja tantas críticas ao Corvo) como um poeta ruim. Esse canto XXV é bastante complexo, de novo, pela sucessão de imagens e transmutações, uma verdadeira metamorfose dantesca! Isso, Dante é adjetivo, embora eu achasse melhor que dantesco fosse algo como "deliciosamente incrível". A tradução de Dante por Assis está nas "Ocidentais" (eu tenho!).


Dantesco!

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