sábado, 12 de julho de 2014

Ocaso

Estou aqui para ver o dia destilar seu último sorriso 
no entardecer rubro desta vida.
Eles me pedem para tocar uma última canção
Mas empenhei minha harpa em Alexandria
Por um mero bocado de pão
Quando os dentes de Behemoth ainda eram muito pequenos para me ferir
E minhas lentes de Cenobita me iludiam sobre 
As cores de tudo aquilo que eu via

Não me peçam - implorei- para cantar minhas alegres canções quando o dia
Reclina-se em silêncio enjoado rumo às sombras das pirâmides.
Não sou como Athanael, e ele sucumbiu, que será de mim, pasmado, quando os
Sonhos me revirarem as entranhas?

Não haverá mãos que me afaguem, pois as dores que sentimos na alma são só nossas e as flechas que nos maculam a mente só podem ser vistas
Quando assim foi decidido por um ser imprevisto...

Eles insistem - Cante, se não pode tanger alguns acordes! - e eu penso comigo
Que tipo de ser maligno faz dos homens seres tão insensíveis?

Aqui todos os sonhos da antiguidade se mesclam, enquanto a sábia rainha
Se leixa levar por um sibilar inclemente como Eva naquele dia fatal!

Amigos- eu digo- vocês não podem entender por um momento que um homem
não deve cantar nos seus estertores?
Se tive a voz melíflua, foi em outros tempos, mas agora
Ela é seca e sem graça, não tem mais os encantos de antigamente!

O sol declina, me deixem, é preciso captar de longe
Essa centelha que deixa no fundo do céu
Os rastros vorazes do último instante de um dia.

E eles me deixam, já esquecidos de quem lhes falava
Mas eu apenas percebo as sombras que descem
E os sonhos todos cessam
Quando a noite engole o dia
Num inusitado
Silêncio.

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