quinta-feira, 4 de abril de 2013

Poema Fantástico Triste



Hoje eu acordei triste, muito triste
Tão triste que a primeira coisa que fiz
Foi olhar para a janela em busca de um pássaro negro
Nevermore!

Busquei alguma cor que me tirasse esse gosto amargo da alma
Pensei na rosa que pusera sobre o armário
Morta! Seca como uma mulher desiludida
Abandonada, seis filhos, árida, sem água...

Levantei a mão, olhei a palma,
A linha da vida não estava lá, a mão lisa como uma luva de látex
O dia -pensei-luz é vida!
Mas o dia estava pálido, sem cor, sem sangue, imóvel...

Corri para o banheiro
Mas no espelho fosco nenhuma imagem havia
Nem rosto, nem olhos, nem marcas das feridas
Que fui conquistando durante meus dias

Lembrei dos amores que tive e das mulheres da minha vida
e saí apressado através da porta ainda fechada
Na rua um bafo quente, enjoado, como um vento
Trancado havia século num quarto escuro e empoeirado
Moveu de leve meus oito ou nove tentáculos...

Abri as asas negras com dificuldade
E alcei um vôo desengonçado de codorna ferida
Mas o vento sujo e as nuvens baixas
Me fizeram baixar ao solo e rastejar entre os dejetos...

Em cada rua que passava, onde eu lembrava ter amado alguém,
Eu via erva seca e poeira dançando em torvelinhos de vento
Vento, como água, mas vento.

Dos meus amores encontrei os corações
Tintos da mesma cinza melancólica
Secos como aquela velha senhora
Sonhando, aposentada, na varanda de sua casa
Com o jovem amor
Sepultado há setenta anos.

Juntei minhas quatro antenas num esforço desesperado
Por lembrar-lhes a cara, o cheiro, as curvas...
Mas só me vinham zumbidos e estranhas imagens
De larvas brancas em carne deteriorada...

Sem amor de que me adiantavam os tentáculos, asas, antenas
Apêndices, mucosas, líquidos digestivos, pedipalpos?
De que adianta um céu livre,mas cinza?

Eu continuava triste, muito triste
Tão triste que voei atá a rocha nua
Da montanha escura que vigiava a cidade morta
E fiquei dias olhando o mundo
E sorvendo com calma e  atenção
As certezas insanas de que era feito
O Silêncio.

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