Hoje eu acordei triste,
muito triste
Tão triste que a primeira
coisa que fiz
Foi olhar para a janela em
busca de um pássaro negro
Nevermore!
Busquei alguma cor que me
tirasse esse gosto amargo da alma
Pensei na rosa que pusera
sobre o armário
Morta! Seca como uma mulher
desiludida
Abandonada, seis filhos,
árida, sem água...
Levantei a mão, olhei a
palma,
A linha da vida não estava
lá, a mão lisa como uma luva de látex
O dia -pensei-luz é vida!
Mas o dia estava pálido, sem
cor, sem sangue, imóvel...
Corri para o banheiro
Mas no espelho fosco nenhuma
imagem havia
Nem rosto, nem olhos, nem
marcas das feridas
Que fui conquistando durante
meus dias
Lembrei dos amores que tive
e das mulheres da minha vida
e saí apressado através da
porta ainda fechada
Na rua um bafo quente,
enjoado, como um vento
Trancado havia século num
quarto escuro e empoeirado
Moveu de leve meus oito ou
nove tentáculos...
Abri as asas negras com
dificuldade
E alcei um vôo desengonçado
de codorna ferida
Mas o vento sujo e as nuvens
baixas
Me fizeram baixar ao solo e
rastejar entre os dejetos...
Em cada rua que passava,
onde eu lembrava ter amado alguém,
Eu via erva seca e poeira
dançando em torvelinhos de vento
Vento, como água, mas vento.
Dos meus amores encontrei os
corações
Tintos da mesma cinza
melancólica
Secos como aquela velha
senhora
Sonhando, aposentada, na
varanda de sua casa
Com o jovem amor
Sepultado há setenta anos.
Juntei minhas quatro antenas
num esforço desesperado
Por lembrar-lhes a cara, o
cheiro, as curvas...
Mas só me vinham zumbidos e
estranhas imagens
De larvas brancas em carne
deteriorada...
Sem amor de que me
adiantavam os tentáculos, asas, antenas
Apêndices, mucosas, líquidos
digestivos, pedipalpos?
De que adianta um céu
livre,mas cinza?
Eu continuava triste, muito
triste
Tão triste que voei atá a
rocha nua
Da montanha escura que
vigiava a cidade morta
E fiquei dias olhando o
mundo
E sorvendo com calma e atenção
As certezas insanas de que
era feito
O Silêncio.
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